Eu ainda possuo um toca fitas K7. Tenho uma pequena coleção de fitas demo, amealhada em fins dos anos 90, nada demais, uns 30 títulos. Época em que era fácil acompanhar o que saía do forno em Goiânia, pois gravar e soltar um material era coisa que poucas bandas faziam. Lançar LP ou CD então, era quase um épico.
Sinto-me em um momento de transição, e tenho certeza que grande parte dos roqueiros desta cidade compartilha disso, caso sejam membros da fatia trintona/quarentona de nossa classe. Eu gravei materiais com o Ímpeto há uma década que foram literalmente descartados pela imensa falta de qualidade no resultado obtido. Não me refiro ao óbvio, a falta de qualidade técnica/musical dos integrantes, que é parte da nossa proposta. Me refiro à péssima qualidade da aparelhagem de gravação. Gravar uma demonstração do trabalho exigia demais financeiramente. No máximo dois ou três locais em Goiânia faziam jus ao título de “estúdio”. Enfim, era então se contentar com as gravações de ensaio, que apenas davam uma idéia de como seria o trabalho das bandas. As gráficas, em sua esmagadora maioria, trabalhavam com máquinas antigas e caras, o que impossibilitava um bom resultado na arte das capas das fitas cassete. Programas de arte e design para computadores caseiros eram somente mitos vistos em filmes de ficção. Eu já comentei sobre isso por aqui.
E você me pergunta: tens saudades desta época, no sentido de ter sido mais suado o trabalho das bandas? Eu te digo: JAMAIS! Viva essa parafernália tecnológica, que permite fazer uma gravação relativamente decente dentro do próprio quarto! Esse avanço tecnológico é uma vitória.
Puxei uma das caixas de sapato em que guardo as fitinhas, respirei um pouco de poeira, metido numa nostalgia miserável de uma tarde de domingo. Escutei coisas que há mais de 10 anos eu não ouvia. Coisa boa e coisa que hoje eu ouço e penso: porque diabos eu comprei essa porcaria?
Já na noite daquele que seria mais um domingo caseiro, reencontrei a fita do Desordem Progressiva. “Você gosta disso”, me disseram os sentidos, embora eu já não me lembrasse dos sons. Pareceu coisa pensada: neste domingo de julho, tão cheio de nostalgia, tristezinha e suicídio a conta gotas, com cerveja barata em lata e fritura, muita fritura, reencontrar o Desordem Progressiva. Vento e sequidão, árvores desfolhadas... só me faltou óculos de aro grosso, um exemplar de um autor francês obscuro e pronto, eu seria um autêntico indie. Provocações infantis à parte, o trabalho deles é algo que merece ser relembrado. Minha esposa e eu precisávamos de uma janta de verdade, não agüentávamos mais batata frita. Resolvi mostrar a ela o som do Desordem e um peixe que eu ensaiava preparar há alguns dias.
Você conhece pirarara? É uma das carnes de peixe mais saborosas que já comi. Tive o prazer de conhecer e degustá-la bem fresca, no alto Araguaia, Araguatins (TO), ano passado. O peixe mede mais de metro e pesa como um homem adulto. Carne abundante. O que preparei aqui também estava fresco, e sempre que você for pensar em comer peixe, tenha isso como regra. As postas têm em média mais de 30 cm de diâmetro. Limpe a peça, reduza a quantidade de gordura, já que este é um peixe de abundante manteiga, mantenha o couro só se for de seu agrado, prepare cubos grandes, lave-os com limão e tempere com sal e o que mais seu paladar gostar. Carne de peixe absorve muito bem o tempero, então cuidado ao dosar. A vantagem da pirarara é ser uma carne firme. Trabalhá-la é fácil.
A minha fita do Desordem Progressiva é velha, tem 11 anos de idade. Então, qualidade de som, necas. Mesmo assim, enquanto me livro desse cheirinho de peixe e tempero entre meus dedos, escuto o trabalho. Enquadrei a danada na vitrola. E deixei os camaradas tocarem.
Mil referências ocorrem, que juntas acabam dando um quê autêntico, melancólico, assim como estava meu dia. Lembra brit rock, indie rock (como gostam de chamar hoje), pop, sei lá. Sou avesso a resumir trabalhos em uma simples escola de rock, embora o faça com certa freqüência. É sem querer, eu juro. Cantam em um bom português, o que eu considero um mérito, com letras de uma poesia adolescente, ingênua às vezes.
Foi curioso, esse trabalho me deu uma vontade grande de beber vinho, neste dia. Lembrei que esse tipo de som cria atmosferas interessantes, principalmente quando se está acompanhado. E o vinho é um excelente estimulante para estas ocasiões. Eu não ligo a mínima para convenções gastronômicas. Como e bebo aquilo que eu penso ser bom. Sou guiado completamente pelo meu paladar. Estou me lixando se para alguns, não “harmonizo” minhas refeições. Vinho tinto e peixe, aqui vamos nós. A vinícola portuguesa Messias tem rótulos para o dia-a-dia, e obedece aos padrões de qualidade europeus, como a “denominação de origem”, que te indica por exemplo o tipo de uva, solo e clima usados no fabrico do vinho. Eu tinha uma garrafa de Messias Bairrada, e ela nos serviu perfeitamente. Custou módicas dezenas de reais. Ultimamente, os vinhos portugueses são meus prediletos. Já havia lido sobre este vinho por aí, então eu sabia o que esperar. Cotidiano, mas gostoso. Nada para ficar fungando, rodopiando no copo, analisando no microscópio ou procurando uma leve nota de terra preta. Bom tanino.
A capa da demo tape, numa resolução digna de impressoras caseiras de 99, em cores, trás um cenário de outono, bem aos moldes de bandas deste universo: chão coberto de folhas secas, árvores esquálidas ao fundo. Não há um projeto gráfico, é bem “faça você mesmo”. Minha memória tem estado cada vez pior, mas tenho certeza de ter visto algo do Desordem Progressiva em CD-r. Eu não adquiri, somente a K-7.
As boas melodias são bem povoadas por duas guitarras cruas e sem muitos efeitos, que trabalham bem as oitavas, e um baixo que marca bem grave, sem virtuosismo algum, mas competente dentro da proposta estética da banda. A bateria é só um acompanhamento, reta, sem nenhuma “firula”, às vezes deveras simples, também atendendo ao que se exige dentro deste tipo de som. Os vocais, ora afinados, ora forçando a barra, não conseguem atingir os timbres necessários para a atmosfera criada. Seguram a onda e não comprometem. E não é que é massa demais o conjunto da obra? Soa garageiro, sincero. Cara, não sei se o leitor que conheceu o trabalho vai concordar comigo, mas a fita me lembra muito o Oasis antes de estourar, ali daquele EP “See the sun”. Soa como outras bandas inglesas do início dos 90. Isso é apenas uma impressão minha, e posso até estar ofendendo a banda sem saber. Sim, eu gosto de Oasis, e daí? Já conversamos sobre isso.
“Garoto Voador” inicia o trabalho levantando a questão da geração sem sonhos nascida a partir dos anos 80. E não se oferece uma verdade sobre esses garotos sem ideais. A letra lembra muito frases de fundo de caderno, que eram trocadas com a menina da qual estávamos afim no colégio. Depois de “9 de novembro”, uma alusão ao Muro de Berlim e todo o universo político que o tema envolve, temos “O Dia”: uma balada indie com jeito de banda inglesa lado B e letra sobre desilusão tanto no amor quanto nos outros humanos. Aqui, a voz de Fábio deixa a desejar. Mas eu acabo gostando dessa fronteira não muito nítida entre o técnico e o “mal-feito de propósito”. Não sei se era o caso, o objetivo da banda, mas assim eu vejo. E me agrada.
Fritar o peixe em bom azeite numa frigideira com bordas altas, até dourá-lo e firmar mais a carne, é tarefa fácil e cheirosa. Depois disso, separe as postas, e na mesma panela, frite umas tiras de bacon bem limpinhas (sem pele e magras), cebola, alho, junte tomate sem pele e miolo em cubos pequenos, uns pimentões coloridos (vermelho, amarelo e verde), e dê andamento.
Há um som nessa fitinha com uma pegada mais forte: “Lívido”. Temática já apresentada em outros sons – relacionamentos desencontrados – a música tem um riff que gruda na memória. Em nenhum momento do trabalho há solos elaborados demais, e muito, mas muito trabalho com escalas diferenciadas das duas guitarras. Não é inovador, mas é bem feito. Bem visível em “Por uma causa”, minha música favorita na fitinha.
Tomate e pimentão são sinônimos de água, caldo, líquido. Mas observe se às vezes não será necessário acrescentar mais um pouco disso. Se você está usando um fogão onde a chama é muito raivosa, é bom acompanhar de perto, pra não deixar o refogado secar, ou pior, queimar. Depois que o negócio estiver “firmeza”, com aquela cara bonita e sorridente, traga o peixe pra se divertir ali. Socialize a rapaziada, coloque-os para bater um papo. Diga a eles que o som que vem da sala é de qualidade. Traga os camaradas do cheiro verde bem picados e meio caldo de camarão amassado, para diluir mais rápido. Quem sabe algumas alcaparras? Ou azeitonas pretas, obviamente descaroçadas? Por observação de campo, te digo que ambos, bolinhas verdes e pretas na mesma panela, desandam. Prove o sal dessa galera toda, e faça os ajustes. Seus vizinhos estarão numa puta inveja do perfume que emana da sua casa agora. Isso não é legal? É diversão garantida.
A fita do Desordem Progressiva acaba com o som “Perdidos no Tempo”, que eu não pude sacar. Meu toca-fitas deu pau. Pra falar a verdade, ao virá-la no meu velho Philips, ouvi a rotação diminuindo. Mas por não manusear um toca-fitas há um bom tempo, acabei me esquecendo que isso era sinal de fita embolada. Nada que uma Bic e paciência não resolva, depois de comer, é lógico.
Eu juntei um arroz branquinho previamente cozido nessa panela aí, pra brincar um pouco de paella. Se você tiver o arroz próprio para o preparo desta iguaria, eu recomendo, viu? Com o nosso arroz tipo 1 de qualidade, não é a mesma coisa não. Fica muito gostoso, é verdade. Mas não saia por aí dizendo que já comeu paella. Inclusive, nem é essa a intenção das dicas aí de cima, beleza? Em tempo: o vinho tinto Messias Bairrada é uma porrada, mas o prato segura a onda pelo excesso “do bem” de tempero. Andaram de mãos dadas numa boa.
Tive uma “rápida amizade” com o Júnior, baixista da banda. Ensaiei no estúdio do Desordem por quase um ano, ali na rua 68, no Centrão. Pessoa tranqüila, que gostava de quebrar um galho, tinha a parcimônia de ouvir o Kundaline e ainda incentivar, ali pelos idos de 99 e 2000. Enquanto sorvo o vinho, o filme passa nítido na minha cabeça: foram legais aqueles tempos. Não se falava em profissionalismo com tanta freqüência, assim como hoje. A grande maioria destas bandas ditas indies tocava talvez pra satisfazer o ego, imitando seus ídolos do rock. Pelo que me consta, as críticas da época em relação ao Desordem Progressiva se baseavam no fato de eles se encontrarem no limiar de um som quase profissional e um som sem pretensões, mas bem feito. Eram acusados de não serem profissionais o bastante e deveras trampado para ser informal. Isso posto de lado, recomendo que você procure ouvir. Foi uma das boas bandas daquela safra do fim dos 90. Made in Cantoria, nos “Domingões da Brodagem”. Tocaram em alguns festivais maiores, e mais uma vez vou confiar nessa memória torta minha: estiveram em uma edição do Noise e/ou Bananada. Depois que a banda se desfez, perdi o contato completamente com os caras. E como eu não era parte desta galera do rock indie pequizeiro, não sei te falar o que houve ao certo. Eu vi algumas apresentações da banda, e gostei muito. Não os vejo pelos rocks da vida. Gostaria muito de os encontrar e pedir permissão para digitalizar a fita demo deles. Compartilhar o som do Desordem Progressiva com quem não conhece e gosta do estilo, é uma obrigação. Fique no aguardo, quem sabe um dia esta fita não aparece por aqui...
E vinho bom é outra história. O prazer proporcionado à alma é tão grande, que a ressaca não tem coragem de aparecer no outro dia.
Sinto-me em um momento de transição, e tenho certeza que grande parte dos roqueiros desta cidade compartilha disso, caso sejam membros da fatia trintona/quarentona de nossa classe. Eu gravei materiais com o Ímpeto há uma década que foram literalmente descartados pela imensa falta de qualidade no resultado obtido. Não me refiro ao óbvio, a falta de qualidade técnica/musical dos integrantes, que é parte da nossa proposta. Me refiro à péssima qualidade da aparelhagem de gravação. Gravar uma demonstração do trabalho exigia demais financeiramente. No máximo dois ou três locais em Goiânia faziam jus ao título de “estúdio”. Enfim, era então se contentar com as gravações de ensaio, que apenas davam uma idéia de como seria o trabalho das bandas. As gráficas, em sua esmagadora maioria, trabalhavam com máquinas antigas e caras, o que impossibilitava um bom resultado na arte das capas das fitas cassete. Programas de arte e design para computadores caseiros eram somente mitos vistos em filmes de ficção. Eu já comentei sobre isso por aqui.
E você me pergunta: tens saudades desta época, no sentido de ter sido mais suado o trabalho das bandas? Eu te digo: JAMAIS! Viva essa parafernália tecnológica, que permite fazer uma gravação relativamente decente dentro do próprio quarto! Esse avanço tecnológico é uma vitória.
Puxei uma das caixas de sapato em que guardo as fitinhas, respirei um pouco de poeira, metido numa nostalgia miserável de uma tarde de domingo. Escutei coisas que há mais de 10 anos eu não ouvia. Coisa boa e coisa que hoje eu ouço e penso: porque diabos eu comprei essa porcaria?
Já na noite daquele que seria mais um domingo caseiro, reencontrei a fita do Desordem Progressiva. “Você gosta disso”, me disseram os sentidos, embora eu já não me lembrasse dos sons. Pareceu coisa pensada: neste domingo de julho, tão cheio de nostalgia, tristezinha e suicídio a conta gotas, com cerveja barata em lata e fritura, muita fritura, reencontrar o Desordem Progressiva. Vento e sequidão, árvores desfolhadas... só me faltou óculos de aro grosso, um exemplar de um autor francês obscuro e pronto, eu seria um autêntico indie. Provocações infantis à parte, o trabalho deles é algo que merece ser relembrado. Minha esposa e eu precisávamos de uma janta de verdade, não agüentávamos mais batata frita. Resolvi mostrar a ela o som do Desordem e um peixe que eu ensaiava preparar há alguns dias.
Você conhece pirarara? É uma das carnes de peixe mais saborosas que já comi. Tive o prazer de conhecer e degustá-la bem fresca, no alto Araguaia, Araguatins (TO), ano passado. O peixe mede mais de metro e pesa como um homem adulto. Carne abundante. O que preparei aqui também estava fresco, e sempre que você for pensar em comer peixe, tenha isso como regra. As postas têm em média mais de 30 cm de diâmetro. Limpe a peça, reduza a quantidade de gordura, já que este é um peixe de abundante manteiga, mantenha o couro só se for de seu agrado, prepare cubos grandes, lave-os com limão e tempere com sal e o que mais seu paladar gostar. Carne de peixe absorve muito bem o tempero, então cuidado ao dosar. A vantagem da pirarara é ser uma carne firme. Trabalhá-la é fácil.
A minha fita do Desordem Progressiva é velha, tem 11 anos de idade. Então, qualidade de som, necas. Mesmo assim, enquanto me livro desse cheirinho de peixe e tempero entre meus dedos, escuto o trabalho. Enquadrei a danada na vitrola. E deixei os camaradas tocarem.
Mil referências ocorrem, que juntas acabam dando um quê autêntico, melancólico, assim como estava meu dia. Lembra brit rock, indie rock (como gostam de chamar hoje), pop, sei lá. Sou avesso a resumir trabalhos em uma simples escola de rock, embora o faça com certa freqüência. É sem querer, eu juro. Cantam em um bom português, o que eu considero um mérito, com letras de uma poesia adolescente, ingênua às vezes.
Foi curioso, esse trabalho me deu uma vontade grande de beber vinho, neste dia. Lembrei que esse tipo de som cria atmosferas interessantes, principalmente quando se está acompanhado. E o vinho é um excelente estimulante para estas ocasiões. Eu não ligo a mínima para convenções gastronômicas. Como e bebo aquilo que eu penso ser bom. Sou guiado completamente pelo meu paladar. Estou me lixando se para alguns, não “harmonizo” minhas refeições. Vinho tinto e peixe, aqui vamos nós. A vinícola portuguesa Messias tem rótulos para o dia-a-dia, e obedece aos padrões de qualidade europeus, como a “denominação de origem”, que te indica por exemplo o tipo de uva, solo e clima usados no fabrico do vinho. Eu tinha uma garrafa de Messias Bairrada, e ela nos serviu perfeitamente. Custou módicas dezenas de reais. Ultimamente, os vinhos portugueses são meus prediletos. Já havia lido sobre este vinho por aí, então eu sabia o que esperar. Cotidiano, mas gostoso. Nada para ficar fungando, rodopiando no copo, analisando no microscópio ou procurando uma leve nota de terra preta. Bom tanino.
A capa da demo tape, numa resolução digna de impressoras caseiras de 99, em cores, trás um cenário de outono, bem aos moldes de bandas deste universo: chão coberto de folhas secas, árvores esquálidas ao fundo. Não há um projeto gráfico, é bem “faça você mesmo”. Minha memória tem estado cada vez pior, mas tenho certeza de ter visto algo do Desordem Progressiva em CD-r. Eu não adquiri, somente a K-7.
As boas melodias são bem povoadas por duas guitarras cruas e sem muitos efeitos, que trabalham bem as oitavas, e um baixo que marca bem grave, sem virtuosismo algum, mas competente dentro da proposta estética da banda. A bateria é só um acompanhamento, reta, sem nenhuma “firula”, às vezes deveras simples, também atendendo ao que se exige dentro deste tipo de som. Os vocais, ora afinados, ora forçando a barra, não conseguem atingir os timbres necessários para a atmosfera criada. Seguram a onda e não comprometem. E não é que é massa demais o conjunto da obra? Soa garageiro, sincero. Cara, não sei se o leitor que conheceu o trabalho vai concordar comigo, mas a fita me lembra muito o Oasis antes de estourar, ali daquele EP “See the sun”. Soa como outras bandas inglesas do início dos 90. Isso é apenas uma impressão minha, e posso até estar ofendendo a banda sem saber. Sim, eu gosto de Oasis, e daí? Já conversamos sobre isso.
“Garoto Voador” inicia o trabalho levantando a questão da geração sem sonhos nascida a partir dos anos 80. E não se oferece uma verdade sobre esses garotos sem ideais. A letra lembra muito frases de fundo de caderno, que eram trocadas com a menina da qual estávamos afim no colégio. Depois de “9 de novembro”, uma alusão ao Muro de Berlim e todo o universo político que o tema envolve, temos “O Dia”: uma balada indie com jeito de banda inglesa lado B e letra sobre desilusão tanto no amor quanto nos outros humanos. Aqui, a voz de Fábio deixa a desejar. Mas eu acabo gostando dessa fronteira não muito nítida entre o técnico e o “mal-feito de propósito”. Não sei se era o caso, o objetivo da banda, mas assim eu vejo. E me agrada.
Fritar o peixe em bom azeite numa frigideira com bordas altas, até dourá-lo e firmar mais a carne, é tarefa fácil e cheirosa. Depois disso, separe as postas, e na mesma panela, frite umas tiras de bacon bem limpinhas (sem pele e magras), cebola, alho, junte tomate sem pele e miolo em cubos pequenos, uns pimentões coloridos (vermelho, amarelo e verde), e dê andamento.
Há um som nessa fitinha com uma pegada mais forte: “Lívido”. Temática já apresentada em outros sons – relacionamentos desencontrados – a música tem um riff que gruda na memória. Em nenhum momento do trabalho há solos elaborados demais, e muito, mas muito trabalho com escalas diferenciadas das duas guitarras. Não é inovador, mas é bem feito. Bem visível em “Por uma causa”, minha música favorita na fitinha.
Tomate e pimentão são sinônimos de água, caldo, líquido. Mas observe se às vezes não será necessário acrescentar mais um pouco disso. Se você está usando um fogão onde a chama é muito raivosa, é bom acompanhar de perto, pra não deixar o refogado secar, ou pior, queimar. Depois que o negócio estiver “firmeza”, com aquela cara bonita e sorridente, traga o peixe pra se divertir ali. Socialize a rapaziada, coloque-os para bater um papo. Diga a eles que o som que vem da sala é de qualidade. Traga os camaradas do cheiro verde bem picados e meio caldo de camarão amassado, para diluir mais rápido. Quem sabe algumas alcaparras? Ou azeitonas pretas, obviamente descaroçadas? Por observação de campo, te digo que ambos, bolinhas verdes e pretas na mesma panela, desandam. Prove o sal dessa galera toda, e faça os ajustes. Seus vizinhos estarão numa puta inveja do perfume que emana da sua casa agora. Isso não é legal? É diversão garantida.
A fita do Desordem Progressiva acaba com o som “Perdidos no Tempo”, que eu não pude sacar. Meu toca-fitas deu pau. Pra falar a verdade, ao virá-la no meu velho Philips, ouvi a rotação diminuindo. Mas por não manusear um toca-fitas há um bom tempo, acabei me esquecendo que isso era sinal de fita embolada. Nada que uma Bic e paciência não resolva, depois de comer, é lógico.
Eu juntei um arroz branquinho previamente cozido nessa panela aí, pra brincar um pouco de paella. Se você tiver o arroz próprio para o preparo desta iguaria, eu recomendo, viu? Com o nosso arroz tipo 1 de qualidade, não é a mesma coisa não. Fica muito gostoso, é verdade. Mas não saia por aí dizendo que já comeu paella. Inclusive, nem é essa a intenção das dicas aí de cima, beleza? Em tempo: o vinho tinto Messias Bairrada é uma porrada, mas o prato segura a onda pelo excesso “do bem” de tempero. Andaram de mãos dadas numa boa.
Tive uma “rápida amizade” com o Júnior, baixista da banda. Ensaiei no estúdio do Desordem por quase um ano, ali na rua 68, no Centrão. Pessoa tranqüila, que gostava de quebrar um galho, tinha a parcimônia de ouvir o Kundaline e ainda incentivar, ali pelos idos de 99 e 2000. Enquanto sorvo o vinho, o filme passa nítido na minha cabeça: foram legais aqueles tempos. Não se falava em profissionalismo com tanta freqüência, assim como hoje. A grande maioria destas bandas ditas indies tocava talvez pra satisfazer o ego, imitando seus ídolos do rock. Pelo que me consta, as críticas da época em relação ao Desordem Progressiva se baseavam no fato de eles se encontrarem no limiar de um som quase profissional e um som sem pretensões, mas bem feito. Eram acusados de não serem profissionais o bastante e deveras trampado para ser informal. Isso posto de lado, recomendo que você procure ouvir. Foi uma das boas bandas daquela safra do fim dos 90. Made in Cantoria, nos “Domingões da Brodagem”. Tocaram em alguns festivais maiores, e mais uma vez vou confiar nessa memória torta minha: estiveram em uma edição do Noise e/ou Bananada. Depois que a banda se desfez, perdi o contato completamente com os caras. E como eu não era parte desta galera do rock indie pequizeiro, não sei te falar o que houve ao certo. Eu vi algumas apresentações da banda, e gostei muito. Não os vejo pelos rocks da vida. Gostaria muito de os encontrar e pedir permissão para digitalizar a fita demo deles. Compartilhar o som do Desordem Progressiva com quem não conhece e gosta do estilo, é uma obrigação. Fique no aguardo, quem sabe um dia esta fita não aparece por aqui...
E vinho bom é outra história. O prazer proporcionado à alma é tão grande, que a ressaca não tem coragem de aparecer no outro dia.