26 de junho de 2010

Divulgue seu trampo aqui no blog!

Bandas de todas as vertentes roqueiras, uni-vos! Pelo menos aqui. Deixe seu endereço eletrônico nos comentários deste texto e, tchã nã!, ele aparecerá na lista de sugestões musicais. A sessão ali do lado, chamada "Aos seus tímpanos".
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Não é concurso, é simples assim. Quer o seu sítio na internet bombando? Então, manda ele aqui!

25 de junho de 2010

Conformistas. Será que ao menos sabemos disso?


Aprendi muita coisa de língua inglesa traduzindo letras de músicas das bandas que eu ouvia no ensino médio. Eu era inclusive elogiado pela professora Ereni, pelo meu bom desempenho em sua matéria. Nerdismo à flor da pele. Bons tempos.
Foi nesta época que eu conheci o Dead Kennedys e o seu disco “Bedtime for Democracy”. As melhores letras do hardcore punk de todos os tempos estão ali, segundo a modestíssima opinião deste apaixonado e completamente parcial observador. Foi ali que eu percebi o quão inteligente pode ser a produção de arte punk. Nada de discursos clichês e vazios de significado. Nada de frases feitas, de impacto, nada cifrado ou criptografado. O disco é um murro no olho. Ainda sem internet disponível para mortais filhos de operários, estudantes de colégios periféricos estaduais e afins (lembre-se que eu disse estar no ensino médio, ou seja, era do quartenário cenozóico superior, ou coisa do tipo), pesquisei demais pra entender grande parte do conteúdo. A capa por si só já faz este convite. E veja só: um caminhão de coisas passaram desapercebidas neste primeiro contato, pois a informação, no início dos anos 90, ainda era difícil de se conseguir. Digamos que o caldo do trabalho eu saquei.
Eu pirei naquilo tudo. E me alimentei muito nessa fonte. A escolha em usar a música para o discurso político foi feita ali: de 1995 em diante, toneladas de bandas, fanzines e demais materiais iam me preenchendo. “Santa” passagem pela Escola Técnica Federal de Goiás.
E aí, no velho orkut, semana passada, rolou um daqueles raríssimos papos inteligentes na comunidade “Goiânia Rock City”. Wander Segundo, administrador do selo Two Beers or not Two Beers, figura empenhada em aprofundar o debate sempre, jogou titica de galinha de conformista no ventilador da cena hardcore punk em dois tópicos. Um em especial, citando a letra mais completa do punk na história, em alusão à cena rock goianiense: http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=61338&tid=5485373415445971936.
Entenda o título desta provocação visitando o endereço. Debate sugerido, estou aqui quase enamorado de meus fictícios botões: o discurso punk realmente ainda é viável? Digo: me foi, durante anos em que eu adolescia.
Quando entrei para a faculdade de História, as coisas começaram a mudar. O nerdismo aumentou, eu tive contato com um novo mundo, e grande parte do discurso hardcore punk o qual eu tinha acesso começou a soar infantil, datado, ultrapassado, ingênuo. A medida em que os grandes autores da filosofia, historiografia, sociologia e outras logias entravam em minha cabeça, os compositores e escritores do hardcore e punk iam deixando de me seduzir. Me lembro muito bem: meu professor de Teoria da História, Walmir Barbosa, me emprestou uma coletânea de Adorno. Minha vida mudou ali, pelo prazer de ler algo tão instigante. Mudou mais ainda depois que eu entendi os textos, he he he. Com Georg Lukács foi semelhante.
É compreensível que a crítica social presente no discurso hardcore punk fosse rasa e ingênua no início. Afinal, não estamos falando de algo direcionado para bancos acadêmicos. Mas há de se considerar todo o avanço das condições históricas, desde o surgimento do punk, nos idos de 74/75 até hoje: os desafios estão maiores, pois os problemas levantados pelo punk nos anos 70 se agudizaram. A indústria cultural avançou e pasteurizou o próprio punk e seus sub-gêneros. As guerras não acabaram, a desigualdade social é maior hoje que 40 anos atrás, e se fôssemos listar toda a gama de possibilidades a serem criticadas pelo punk, escreveríamos um tratado. E a pergunta premiada é: o punk, como ferramenta social de contestação, de contra-hegemonia cultural, também avançou? Passo. A apropriação do discurso, da estética, enfim, do “espírito” punk pela cultura de massa foi respondida com novas formulações destes?
Um dos problemas está justamente aí: considerar que exista um padrão de comportamento a ser seguido para quem se dispuser a fazer música punk. Um dos efeitos nefastos do modelo de mercadorização da arte é descaracterizá-la e embalá-la com outra roupagem. Nem todo mundo que faz música punk hoje quer usar do clássico discurso de protesto, direcionado para o quer que seja. O diferencial do punk, dentro do espectro artístico, sempre foi o discurso. A música apenas embala aquilo que o punk faz(ia) de melhor: contestação.
Isso chega a ser uma contradição? Não. Somente se considerarmos que exista o punk “certo” e o punk “errado”. Certo: manter o discurso ácido de crítica social. Errado: montar uma banda pra aparecer na MTV. Ironia barata à parte, sabemos que não existem donos da música, que é uma expressão universal da humanidade. Este passo é importante para que não se cobre algo implausível: apontar o dedo para pessoas que, mesmo sabendo disso que estamos aqui discutindo, não comungue desta visão em particular, vire-se para o dedo acusador e solte um folgado e despreocupado “foda-se”.
O conformismo, criticado dantes por punks, é marca dentro do prórpio. E não seria aí um momento de delimitar rupturas? Marcar posições e esclarecer? Dizer que o “Punk não é somente uma estética artística, mas se construiu historicamente como alternativa à cultura de massa, através de um discurso próprio que oferecia uma leitura concreta da realidade” seria um bom começo para este processo, não?
O punk saiu da periferia operária das metrópoles, aqui no Brasil. E isso já faz um bom tempo. Em Goiânia, ele nunca esteve lá, pelo menos não como discurso principal. Outras manifestações culturais e estéticas musicais são os atuais veículos das idéias de contestação. O rap, por exemplo. E isso causa um imenso problema: a questão de um discurso ilegítimo, se perpetrado por indivíduos alheios à realidade em questão.
Você vai citar excessões de coletivos punks, eu sei. De pessoas que se proletarizam por livre e espontânea vontade, por vezes. Eu nunca acreditei no discurso “Ei, estou aqui afundado na lama pra sentir o desgosto do mundo. É assim que ele vai mudar”. Muito menos no “minha demo está na Eslovênia e de lá, chegou na Estônia. E assim, eu mudei o mundo”. A mudança comportamental e o discurso de transformação pelo caos sempre me soaram preguiçosos. Então, devemos deixar o mundo se acabar primeiro, pra depois construir outro? Volto a tocar a mesma nota de antes: ingenuidade, infantilidade. O neoliberalismo agradece, e muito, esta inércia e ceticismo com ações políticas. Há 35 anos, diziam por aí que não haveria futuro pra nós. Drogaram-se e esperaram o caos chegar, pois a sociedade era um lixo e blá, blá, blá. E o que sobreveio foi sim o caos. Estaria ainda muito cedo para se iniciar uma reação?
Shows por si só não contribuem. Demos e discos por si só, muito menos. Camisetas, patches, braceletes, são só acessórios. Tênis de cano alto é apenas mais uma moda imbecil, saudosista por uma época que nem todos viveram. Se não há a circulação de idéias, o debate, a construção de alternativas para a difusão independente da arte contra-hegemônica, e se nessa arte o discurso não for mais importante que a música, não há cena. Hoje, o governo sustenta o rock. A iniciativa privada sustenta o rock. Guitarras e visual, por si só, não mudam porra nenhuma. Pelo menos se você pensa em contribuir como indivíduo ativo para a trasformação de modelo social.
Conformistas? Sim. Mas talvez sem nem ao menos saber disso. É assim que percebo a cena hardcore punk goianiense hoje. Faltam mais Biafras entre nós. Em quantas palestras sobre algo relacionado à esta discussão você foi neste último ano? Quantos livros você leu sobre estes apontamentos aqui colocados? Quantos filmes fizemos sobre a cena hardcore punk na última década? Qual foi a última vez em que paramos e pensamos se o hardcore punk realmente contribui conosco para uma formação mais humanista?
Som por som. Visual. Reconhecimento efêmero junto aos amigos. Demonstração de virilidade. Fuga covarde da realidade enebriando-se quimicamente. Novas bandas, problemas velhos.

19 de junho de 2010

E os ingressos para o Punx Not Profits vão para...

O leitor Caio Alves Baron e a leitora Ingrid. A escolha foi realmente difícil, pois todos os comentários foram pertinentes. Eu não adularia esse povo se não fosse verdade, moçada. Realmente mandaram bem. Mas como limitamos a premiação, eles foram os escolhidos desta vez.
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Faça como eles. Leia os textos, deixe seu comentário, e fique de olho nas próximas promoções culturais do Rango Rock.
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Punx Not Profits, sábado 19/06/2010.
Capim Pub, Setor Aeroporto, Goiânia.

16 de junho de 2010

Amadurecer a arte em tempos de "eterna novidade": é possível?

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Os atuais trabalhos musicais que pipocam na internet todos os dias aproveitam de uma nova e excelente vantagem: o absurdo desenvolvimento das ferramentas de mídia. Grava-se em casa, se assim o quiser. Basta ter um PC sem-vergonha igual a esse meu, uma mesa de 4 canais igualmente sem-vergonha, que eu ainda vou ter um dia, e pronto. Estúdio caseiro. Trilhão e meio de vezes melhor que os estúdios de 10 anos atrás. Fico pensando nisso tudo, viu... estou velho? Não. É a velocidade da inovação, não só tecnológica, mas universal, típica da atual fase do capitalismo, que me faz sentir assim, velho aos 31. Considerando-se a expectativa de vida do brasileiro médio, tô é novo ainda. E como a coisa ficou acessível, por que não produzir a própria música, ao invés de somente ser expectador? Essa é a tônica atual. Sim, isso dá uma tese de doutorado, e eu não tô afim de ficar vomitando Adorno aqui não.

Demorou um pouco para eu escrever sobre uma banda que eu gosto muito, e que é uma puta revelação desta nova safra do rock goianiense. A superinformação e a nova forma como abordamos a arte, especificamente a música, neste contexto todo, me deixou atordoado. Eu ouvi tantos My Spaces por estes dias, que tenho a impressão de que toda a música do mundo é produzida em Goiânia. Uma enxurrada de peças de arte, um oceano de opções, onde nossa percepção a conta-gotas custa a apreender algo com significância. É raro realmente “pararmos” para ouvir. Vejo uma cena muito mais interessada em produzir sempre do que absorver a arte já no circuito. Há a necessidade eterna da novidade. E eu já estou quase quebrando meu pacto de não “intelectualizar” isso tudo, pelo menos não hoje.

A Jackie’s Knife é atualmente minha banda favorita de farofagem. Há momentos em que somente um Poison salva o dia, he he he. Há situações que pedem um Skid Row (não me comprometa perguntando que situações são essas, ok?). E depois que eu ouvi o EP auto-intitulado, tratei de gravá-lo em mídia física para ouvir com mais carinho. Não sai do meu Philips velho de guerra há dias.

Ultimamente, só tenho tempo de cozinhar a noite. Há algum tempo, queria fazer um prato que já executara em outras oportunidades, e que meu paladar pedia novamente: Porco à espanhola. Foi nesse dia perdido entre a semana passada e a retrasada, que fundimos, minha esposa e eu, hard rock e uma bela carne.

Fuja de fontes inseguras de carne de porco. É perigosíssima se não veio de um bom criadouro. Já ouviu falar de tênia? Então. Gordura em excesso significa hormônio em demasia, e não propriamente que tínhamos um capadão das costas rachadas. Fique esperto com isso. Cheire a carne antes de comprá-la. Aquele fedorzinho de urina não sai mais, se estiver impregnado na carne. Significa animal mal abatido. Ou falha na limpeza das peças de carne. Ela deve estar limpa, magra e com cheiro só de sangue e sucos próprios dela.

Escolhi uma bela peça de lombo, separada pelo açougueiro-amigo, do mercado ao lado de casa. Cortada respeitando a direção das fibras, em cubos pequenos. Lombo é uma carne seca, se os pedaços a serem preparados ficarem grandes você terá problemas depois para comê-los.

No som, reserve 50 minutos para ouvir, e eu disse OUVIR, o Jackie’s Knife. Tempo suficiente para sacar duas vezes a demo. Acredite, se você gosta de hard rock mela-cueca, vai querer o repeteco. Desculpe-me a rotulagem, mais eu não resisti, he, he, he... No arquivo que baixei da comunidade da banda no orkut, o primeiro som é Eyes on the Highway. Bom som para a abertura. Um baixo simples, simples demais, mas que faz seu papel, acompanha bons riffs, criativos e eficientes. Percebi uma mixagem meio embolada: não sou a pessoa mais indicada para estes pormenores, e na maioria das vezes nem os cito. Bateria tímida, porém bem competente. O vocalista destes moleques me impressiona, pelo seu potencial, em minha modestíssima opinião. Vez ou outra, como em Wild Devil, falta aquele “quê”, parece que a voz não chegou onde deveria, mas essa não é a tônica do trabalho. Na verdade, na maioria dele há agudos afinados, variações de tom bem feitas. Fico imaginando este menino na mão de um produtor profissional.

Hurricane começa com uma senhora introdução, bem hard mesmo. O trabalho dos guitarristas é excelente neste som, o baixo faz um bom fundo. A mim não agrada a “forçação” de vocal, ao estilo cantor de blues americano negro, mas os agudos de voz dados me fazem esquecer isso rapidamente. É som pra chapar, ali na fronteira do rock n’ roll, blues e hard rock.

Já disse aqui neste blog e vou repetir, enquanto o J.K. canta no meu player: carne de porco só se prepara depois que descansa em uma água com limão e/ou vinagre. Lave a carne nesta água, e puf!, desapareceu o problema do “cheiro forte” típico desta iguaria. Em uma panela boa para fritar carne, com bordas, aqueça uma quantidade generosa de azeite de qualidade. Não vale óleo composto, largue a mão de ser pão-duro onde não há necessidade. Cebola e alho já preparados e na espreita, óleo quente, pimba!, doure-os. Frite a carne da forma comum, do jeito que a vovó ensinou pra mamãe. Jamais adicione água. A carne soltará seus sucos, e isso basta. Se quiser, adicione pimenta verde de cheiro na água com limão ali de cima, pimenta esta que vai junto à carne pra panela. Tampe e dê andamento.

Enquanto isso, acompanhado daquele vinhozinho chileno vagabundo (que é vendido por aqui como se fosse a última garrafa de um lote raríssimo), ouça os meninos do Jackie’s Knife tocarem I’ll never cry. Você entenderá o por quê do vinho, ao ouvir essa balada: referências mil aos campeões do estilo – Guns n’ Roses, Bom Jovi e Skid Row. Clichê? Pode até ser. Mas quer saber? É bom demais. Ah, em tempo: se você tem mais po$$ibilidade$ que eu, recomendaria fugir do chileninho vagabundo. Numa estrutura sacada, a banda destila uma verdadeira campeã das dez mais do Cantinho do Coração, aqui na FM da Madrugada. Backing vocals muito bons, bem postados e afinados. Só não entendi uma guitarra arrastando-se no fundo dos dedilhados, nas partes suaves da música.

E aí a carne já está bem cheirosa e dourando. Hora de enfeitá-la. Manjericão nela. Comedidamente, pois esta é uma erva forte, e se passar, estraga a tudo que tocar. Pimentões vermelhos e amarelos, cortados em cubos médios, irão apenas amolecer, e não desmanchar na panela. E se lhe aprouver, cebola cortada em fatias grossas, para perderem o sumo enquanto o prato se acerta. Simples assim. Não permitir que se crie “cascão” no fundo da panela é fundamental para uma boa apresentação da carne.

E do meu toca CD veio uma trilha sonora das velhas propagandas de Hollywood: Rock star. Introdução caprichada, estilão heavy metal. O refrão não é lá muito original, mas o corpo do som é foda.

Minha esposa perguntou se era Bom Jovi ao ouvir Sweet Girl. Poderia citar outras referências menos óbvias, mas foi exatamente esta a pergunta feita por ela. Melodia simples, mas gostosa de ouvir. Refrão bom demais. Faltou mais vida ao violão, penso eu. Um efeito acústico, sei lá. A caída pesada é boa. Bons arranjos de cordas. Wild Devil, com seus riffs matadores, jeitão de lado B de disco bom, foi minha preferida na primeira audição. Como sou muito volúvel, pode ser que isso mude. Mas o som é poderoso.

Não custa lembrar: não sou crítico musical. Não tenho a menor formação para isso, a não ser essa paixão imensa por rock. O que noto no trabalho destes meninos, insolentemente, são arestas a serem aparadas, que um produtor profissional arruma fácil, fácil. Tipo finais abruptos de solos ou frases de vocal. Mas não é nada que desestimule novas e freqüentes audições deste petardo. Eu gostei muito e aguardo ansioso um CD cheio destes caras.

O Porco à espanhola foi bem com o EP do J.K.. E ainda com arroz branco e legumes cozidos em água e azeite virgem. Eu tinha umas poucas alcaparras aqui, e pus nestes legumes – e não é que colou? E fica a lição: nem todo chileninho tinto Carmenère de prateleira em hipermercado vale as dezenas de reais ali depositadas. Hoje eu sei.

Uma arma contra a avalanche de informação musical disponível hoje? Paciência, muita paciência para ouvir. Parece piada no mundo atual, mas sem isso, corremos o risco de nos alimentar de “chileninhos vagabundos” e não conhecer bons trabalhos. O que é bom leva tempo para amadurecer. Eu ouvia gravações da Jackie’s Knife interpretando Guns n’ Roses, há alguns aninhos atrás, e pensava: táquepariu, se esses moleques voltassem esse talento musical para a própria arte, viraria algo muito bom. Dito e feito. Trabalho mais maduro, autoral e de qualidade. Sem modéstia, igual à minha carne de porco, he, he, he...
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Listen to the song!

13 de junho de 2010

Quanto vale o Dia dos Namorados?

Foi interessante ver o shopping na tarde deste último sábado. Trabalho em um colégio que funciona no subsolo de um desses templos do “ter é ser”, a atual religião que arrebanha mais e mais fiéis na elástica classe média brasileira. Centenas e centenas à procura do mimo para a alma gêmea. Estacionamento lotado, cheguei 5 minutos atrasado à sala de aula porque não consegui uma vaga próxima. Dia dos namorados. É isso.

No clima de romance e pra não deixar a chama fraquejar, depois de 2 anos e meio de matrimônio, convidei meu broto para um programa que prometia aquecer os corações vacilantes nesta data tão especial: Baile dos Solteiros, Capim Pub. Animando o ambiente, segundo o e-flyer, Ultravespa, Black Queen, Johnny Suxxx & The Fucking Boys e a banda que embala sonhos de tórridas paixões: Os Canalhas, mais canalhas do que nunca com seu acústico bem-te-vi. Digo segundo o e-flyer porque devido ao horário de trabalho de minha esposa, só chegamos às oito e pouco, após o início das apresentações. Não sei ao certo quem tocava quando entramos: Ultravespa ou Black Queen. Sei que era bom demais, a ponto de eu me dirigir ao baixista deles e mencionar minha felicidade ao ouvi-los, coisa que pela minha timidez patológica, eu raramente faço. O moleque é deveras competente.

Pelo erro de chegar mais tarde, confiando no fuso-horário Goiânia Rock City, sempre 4 horas atrás do horário oficial de Brasília, nos demos mal. Melhor, pagamos caro. Literalmente. Uma pequena fortuna, considerando-se o espaço: 10 paus por cabeça. O velho Capim Pub mudou muito pouco desde que abriu para a música alternativa. A estrutura continua adequada apenas para algumas propostas de eventos. E no nosso humilde entender, não suporta coisas minimamente sofisticadas. Em suma, é tosco. É bom estar lá, mas não é legal ter que segurar a porta do banheiro para usá-lo. Não é legal beber cerveja morna a extorsivos 3 mangos, com a lata fedida. Não é legal não haver conforto para sentar e beber. Mas ainda assim, conta com minha presença em intervalos regulares de tempo. Por que? De certa maneira, essas faltas têm seu charme. E desta vez, havia marcas além da detestável, insuportável e degradante Nova Schin. Bebi 3 Antarcticas. Repito, mornas.

Um excelente público para os shows. Pensando que ainda chegariam mais pessoas para a festa após as bandas, arrisco-me a dizer que o evento foi um suce$$o. Tinha muito tempo que eu não via Johnny Suxxx. Gostei de novo. Não havia as plumas e paetês como da última vez em que os vi, dando aquele toque de escracho próprio deles, mas os senti empolgados tocando. E sabemos que isso vaza ao público. Acaba contagiando. Na segunda música eu já estava batendo o pé, marcando o ritmo. Eu precisava ouvir algo diferente neste dia. De tempos em tempos, saturo-me de hardcore e punk.

Escrevi o segundo parágrafo deste texto completamente influenciado pela proposta desconfortante d’Os Canalhas. Interessante, eu me lembrei do Fat Mike e seu palhaço alter ego ao estar presente em mais uma apresentação da mais pura canalhice pequizeira. A banda estava desfalcada. Ainda não os vi com as backing vocals. E o front man, Wander Segundo, continua com sua voz aveludada.

A proposta da banda é interessante, é inteligente, é instigante. O problema é ter estômago para agüentar Segundo, o “vocalista” da banda, cantando. E de terno. O problema é ter de castigar os tímpanos com o violão desafinado da banda, tampado por uma guitarra que tocava de tudo, menos a música em execução. Não saquei mesmo se era intencional, ou se o guitarrista se perdia. Fato é que eram dois universos paralelos. Repertório digno do “Cantinho do Coração”, programa das madrugas nas FM’s, com aqueles locutores que mandam recados sussurrados do tipo: “- alô, Graziellen! Me liga, to te esperando! Beijo, do seu Wescleynalton”. Ou aqueles programas em que o som rola e o locutor, com voz de disk-sexo, traduz simultaneamente a letra melosa. Infelizmente, o tempo estourou e tivemos que ir embora antes do fim da apresentação. Infelizmente? Bem...

Sei que ao cruzar o portão de saída, meu coração apertou ao lembrar do valor pago para ali entrar. Ou seja, custo-benefício prejudicado na minha conta. Dez paus já valeram mais na cena goianiense. É certo que houve a festa posterior (procede, não é mesmo?), e não a aproveitei. Mas assim mesmo, continua caro. Não pretendo pagar esta dezena de merrecas tão cedo pra ir ao Capim Pub. O meu senso moral me diz que mais de 5 dinheiros é ultrajante, em se tratando do que é oferecido ali. As bandas que estiveram no palco, cada uma com sua proposta, são excelentes e o valem. Não havia nenhuma “verde” na escalação. O meu chororô se refere à casa, e não ao espetáculo.

Dali, seguimos para nosso bar de estimação. Todo mundo que gosta de bar, tem algum que guarda no lado esquerdo do peito. Eu já fui ao antigo Bar da 3, e detestei a experiência. Me lembro de poucos lugares tão ruins. E há pessoas que idolatravam o lugar. Acontece. Já saí de casa para pagar 5 reais em uma cerveja, e recebi um copo americano sujo para consumi-la, depois de apodrecer uma hora na fila. As pessoas que estavam comigo não se importaram, e tiraram muitas fotos para seus álbuns de orkut. Afinal, estiveram ali, naquele bar da moda. Quer porcaria maior que aquele antigo Praia? Então.

Gosto de ser conhecido e chamado pelo nome no bar onde bebo. Gosto de receber tudo muito limpo e decente. De pagar um preço justo por aquilo que como e bebo. De ter conforto, mesmo sendo nas cadeiras de plástico da Skol. E principalmente, de ter o mesmo serviço, se não melhor, que os bares badalados do Bueno e Marista, em frente ao meu prédio. Esse ponto encerra com chave de ouro meu score.

Uma bela e bem servida panelinha de lingüiça caseira, muito bem executada. Simples, despretensiosa, com gosto de comida de mãe. Arroz, lingüiça, tempero à pampa e só. E Antarctica por modestos R$ 3,20. Gelada ao ponto. A noite só começou. O disco de estréia do The Kooks (Inside In Inside Out, de 2006) nos aguardava na vitrola, após o jantar. Um espumante nacional vagabundo já estava na geladeira desde o fim da tarde. O resto é história.

12 de junho de 2010

O purista

(Texto válido para a promoção do evento "Punk is not profits". Comente sobre, e concorra a ingressos para o evento.)
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Minha família é de origem mineira, embora eu seja paulistano. E como mineiros legítimos, há um verdadeiro culto idólatra ao café, hábito que herdei com fervor. O pão de queijo não veio neste pacote de tradições, curiosamente.
Aprendi a apreciar o café nas rodas de causos dos adultos, das quais era difícil participar, pois sempre era expulso dali. “Assunto de gente grande, moleque!”, era sempre assim que terminava um palpite meu. Meus avós maternos são mestres na arte de trazer o passado de volta, com mais sabor na narrativa.
O café não pode jamais ser este “de pacote”. De preferência deve ser comprado em grão cru. Assim, você percebe se há misturas indesejáveis, como soja ou milho velho. Sim, acontece nas melhores marcas e é inclusive permitido pelo Ministério da Agricultura. Estes eram os primeiros mandamentos do velho Dário, doutor honoris causa no assunto, meu falecido avô.
Você não encontra grãos tipo exportação nas feiras livres. Mas isso realmente não é determinante se você não é dono de uma cafeteria sofisticada. Os grãos vendidos nos mercados populares são, em sua maioria, sobras dos cafezais.
O passo seguinte é torrá-lo no ponto adequado. Ter um fogão à lenha ajuda. Nas casas de produtos agropecuários, você acha com facilidade o torrador de café, que se assemelha muito com uma pipoqueira antiga. O chamado “ponto forte” é alcançado somente por mestres. É a fronteira entre queimar o grão e apenas torrá-lo. A ciência do sabor do café passa por aqui. Teremos café com gosto de carvão se houver imperícia. Nunca vi o velho Dário errar um ponto sequer.
O passo seguinte é moer o grão torrado. No moedor manual, é claro. Também encontrado nas melhores casas de produtos do campo. Saber regulá-lo também é mister. Um pó fino em demasia prejudica a infusão por ser mais difícil de “passar” no coador, além de ser mais difícil de se obter no moedor. Um pó excessivamente grosso não retém a água o suficiente.
A infusão não pode nem sequer ser imaginada se não em um bom coador de pano. É ritualístico. Colocar o pó para esquentar junto com a água é simplesmente sacrilégio. Ele deve ser colocado à parte dentro do coador para esperar a água. E sim, está certo ali atrás: esquentar. Água fervente, borbulhando, queima o pó. Ela deve ser despejada nos primeiros sinais de fervura. Dica: quando as bolhinhas surgirem na parede da caçarola, segundos antes da fervura total. Você não tem uma caçarola? Oras, em que mundo você vive, afinal?
O bule de metal recebe o café direto do coador. Nada de transferir de recipiente, pois não queremos beber suco de café. Ah, sim... se você tem uma garrafa própria para o café e fere a mística de consumi-lo direto do bule, evite passá-lo por um bule, e coe-o direto na garrafa.
O açúcar é opcional. No rito Lopes, ele quase não está presente. De tão pouco, ele vai direto diluído na água. Mas isso é aí, com o seu paladar. Tente experimentar o café e seu amargor sem a presença ostensiva do açúcar. Converse com o gosto do grão. Sinta o imenso prazer da absorção de cafeína sem intermediários. Essa é outra dica.
Café frio é conteúdo de cano da pia. Perde todas as propriedades gustativas depois que esfria. Oferecer-me café esquentado é uma ótima maneira de produzir uma péssima imagem de quem tem essa coragem. Que tipo de sujeito bebe café esquentado? E pior, que tipo de ser humano oferece isso aos convivas?
A degustação deve ser feita prazerosamente. A arte de conversar com o paladar e apreender o sabor do café vai contra todo e qualquer ditame do fast-food. É um verso de amor e militância à slow food. Ouvir os causos dos avós, no quintal de terra, debaixo da mangueira, bebendo café e aguardando as roscas da vovó ficarem prontas. Eu chamo isso de felicidade. E eu tive isso.
Sigo cada passo dos ensinamentos do velho Dário. Ele gostava de degustar o café no nascer do sol, todas as manhãs. Ouvindo uma rádio AM, onde cantavam Tião Carreiro e Pardinho, Pedro Bento e Zé da Estrada, Tonico e Tinoco. Eu sentava ali na cozinha com ele, esperando o chamado para o resto da família, avisando que o café estava pronto: “Ó o Móca!”. Aquilo me dava uma alegria imensa. Hoje, me dá uma saudade lancinante.
O gosto do café combina com tudo, é verdade. Embala minhas incursões pretensamente literárias, minhas horas de folga na internet, as audições de certos tipos de música. Na minha cabeça, combina demais com jazz, britrock e moda de viola raiz. Tem gente que jura que combina com rock pesado. Eu não consigo ouvir Disrupt ou Iron Maiden bebendo café. Até consigo, é verdade, mas não faz o menor sentido.
É certo que continuarei sendo o bastião da arte do bom café. Os milenares códices a mim foram confiados, não posso falhar. Avante, nós!, os viciados em cafeína!