15 de março de 2010

Desligando-se.

(Texto para a promoção cultural do evento Capim Caos. Comente sobre ele, os dois melhores comentários ganham ingresso para a gig!)
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Há trinta e sete minutos atrás começou mais uma segunda-feira. O Ignite canta baixinho nas minhas caixas pífias, “Embrance”. Faltam 5 horas pra recomeçar todo um ciclo, onde eu me religo com um mundo que está me desumanizando. Café, trânsito, trabalho, trânsito, almoço de plástico, trabalho, trânsito, casa. Qualquer fuga a isso, e sou punido pelo tempo policiado, pois atrasos em prazos aparecem. Rotina. Desencanto.
Eu sou idealista quanto à minha profissão. Não caí de pára-quedas nisso tudo. A sala de aula me realizava. Hoje, sou empregado de todo um sistema de fazer grana, ligado à indústria do vestibular. Lamentável, triste.
Seguir em frente porque há a coersão do mercado e da própria sobrevivência. Me vejo castrado e impotente frente a isso. E estou profundamente cansado, física e mentalmente. Sou mais um do “clube”, que infelizmente toma consciência do seu papel degradante nessa porra toda. Gostaria, agora, de não ter senso crítico e me esbaldar tranqüilo em todo o crédito que me é oferecido, para que eu me enterre pra sempre nesse esquema. Eu compraria a felicidade, que seria entregue em casa, financiada em até 60 meses sem entrada. Uma dúzia de malditos que li uns anos atrás nos bancos acadêmicos não me deixam ser feliz e mergulhar nessa.
Eu costumava me livrar de tudo isso, pelo menos momentaneamente, me envolvendo minimamente com hardcore. Eu sonhava com o mundo melhor ao alcance das minhas mãos. Ouvindo discos, traduzindo letras, tocando em bandas, indo aos eventos, lendo e escrevendo fanzines. Enfim, o de sempre pra todo mundo que gosta de hardcore e punk.
Eu costumava sonhar hardcore, hoje não mais. Eu ainda vejo meus amigos por aí e me divirto. E isso me faz bem. Eu ainda ouço muitos discos, bons como esse do Ignite que me faz embargar a voz, mas minha fé está se esgotando. Eu ainda vejo muitos fanzines na internet e fora dela (em Goiânia, quase nada), mas me cansei dos mesmos erros de português, e da mesma falta de objetividade de sempre na esmagadora maioria deles.
Eu tinha uma ilusão, que só se desfez tardiamente. Eu imaginava que era possível, neste mundo em que nós vivemos, abandonar uma perspectiva individualista e construir uma via alternativa coletiva pro hardcore goianiense. Pessoas somando com outras, e deixando o ego guardado em casa.
Eu me iludia a ponto de vislumbrar mesmo um esquema que se auto-sustentasse, pra produzir arte contracultural, à margem da pespectiva conservadora e embalsamada do rock. Eu jurava que podia fazer parte de um momento único (porque eu estava lá) em que o hardcore seria verdadeiramente contra-hegemônico, e que idéias circulariam em diversas formas de mídias. Seria o meu Rosebud, guardada a empáfia da comparação.
E toda vez que me reaproximo da cena hardcore, vejo que estou mais enganado. Salvo as exceções que sempre existem, a mesma coisa de outros dias: só música, só entretenimento, só diversão. Não é que eu não goste de me divertir. Mas eu gostaria de acrescentar algo à minha formação como ser humano também. Curtir som é massa, saber por que ele foi escrito, é melhor ainda.
Ideologicamente, a gente vai se desligando. Mantém o que herdou da coisa toda. Mas, como organicamente o hardcore chegou ao seu limite na vida de um cara com 30 anos, o que resta é pensar outras formas de tentar romper a gaiola na qual estou preso. Ao assistir a uma manifestação artística de hardcore hoje, não sinto mais meu mundo mudando. Sinto meu mundo se amenizando, me dando um tempo.
Não consigo relativizar tanto o conceito de hardcore a ponto de dizer que vale tudo dentro da música. O punk hardcore nasceu com identidade. Parte dele foi realmente cooptada, pois não há donos da arte, ela faz parte do espírito humano, já dizia o filósofo. Mas a essência ainda poderia ser trabalhada: resistência. Ao reproduzirmos o discurso da arte pela arte, este cara aqui desanima.
Mesmice no trabalho, punhetagem de conteúdo pra passar no vestibular. Mesmice no hardcore, punhetagem na produção artística e discurso vazio, como cabeça de adolescente pós-moderno.
Quem nunca ouviu/entendeu o Ignite, taí uma sugestão.

2 comentários:

Unknown disse...

É aqui galera! Façam seus comentários sobre o assunto proposto, e vamo que vamo!

Bruno Abnner Lourenzatto Silveira disse...

Alemão, muito necessário seu olhar. Compartilho de muitas idéias que você lança. Acompanho de certa maneira seus comentários no Orkut e algumas coisas no blog, sempre achei sensato.
Muito me incomoda também “arte pela arte”. E mais ainda, me parece que a arte imita algo que não a vida. A arte se torna algo “pessoalista” a ponto de deixar que uma criatividade, alucinante por assim dizer, exprima a condição de quem escrever, compõe, pinta e cria de maneira geral. Ou então se cria a partir de um conceito que faz sentido pra quem produz e pra quem o acompanha, tornando o processo de criação uma piada interna. Isso é um debate amplo, mas me parece que reflete a condição do sujeito.
Um ponto que acho que você não toca mas que muito me intriga é o Hardcore como uma função de “bem estar”. Enfim, essas pessoas que passaram anos escutando, praticando, agindo. Até que ponto elas permitem que isso influencie de maneira ativa suas vidas em uma perspectiva ampla? Digo isso porque me parece que vários caras que passaram por isso e não tiveram uma postura legal em diante. Enfim, até que ponto é legal ser punk nos finais de semana e como advogado liberar sujeitos, digamos, nada legais; ou então ser hardcore e ser um teórico da terceirização do trabalho? Ser o Google das bandas dos primórdios, mas passar o dia vislumbrando uma cadeira pública pra bater carimbo e ser um burocrata. Enfim, a ética hoje é um debate amplo, que algumas pessoas querem fazer dentro do hardcore(esfera pública), mas no privado a coisa deve ser diferente, como você vê isso?
E mais, muito desses seres nada éticos tem a capacidade de rir de tudo isso argumentando: afinal tenho que ter minha grana.
Não digo que esses caras são mal, mas como a burocracia se infiltra na vida do cara de tal maneira e que ele se pergunta: Porque não fazer isso?
Outro ponto, até quando o hardcore fica em si mesmo? Quero dizer, falar em resistência hoje é falar não só em hardcore, apesar que concordo total contigo quando você diz que essa é a essência. Mas me incomoda o quanto a parada não é construída em relação com N outros aspectos: mídia, teatro, poesia, movimentos sociais, universidades. Enfim, o hardcore aqui em Goiânia vem se construindo juntamente com o que? As pessoas estão lendo o que? Essas pessoas estão pretendendo ocupar que tipo de papel social seja em qualquer lugar que for ocupar como estudante, trabalho e etc?
Digo, como devo reagir ao entrar no capim pub e escutar “foda-se a cultura baiana?” (com todo meu respeito pelo lugar, seus agentes e história) Afinal, quem é mais crente nessa parada? Como anda a circulação e renovação de idéias, como anda o estudo dessa galera?
Penso que a complexidade que enfrentamos também oferece elementos para lidar com a mesma, e o hardcore está fazendo uso?
E mais, a galera se pergunta porque uma banda? Porque escrever? Sobre o que escrever? Pra quem escrever? Se esse deabate existe ele acontece nos bastidores.
Outra lance, as coisas aqui parecem sempre acontecer nos bastidores. Cadê a publicidade dessa galera que pensa o hardcore? Cadê mais blogs como esse seu? A galera está tomando partido de que? A música é o fim ou só o inicio para criação e atuação em sala de aula, na internet, nos trabalho, família e etc?
Pensar o hardcore aqui é sinônimo de demonizar os grandes selos? Pensar a arte aqui é reclamar quando num show a expectativa de público não foi correspondida, questionando a legitimidade de uma comunidade que tem um número relativamente de membros e faz camisas?
São questão que dá o que pensar e que me intrigam, que vieram na minha cabeça quando li seu post.
Bruno Abnner - @brunoabnner – bals88@gmail.com