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Os atuais trabalhos musicais que pipocam na internet todos os dias aproveitam de uma nova e excelente vantagem: o absurdo desenvolvimento das ferramentas de mídia. Grava-se em casa, se assim o quiser. Basta ter um PC sem-vergonha igual a esse meu, uma mesa de 4 canais igualmente sem-vergonha, que eu ainda vou ter um dia, e pronto. Estúdio caseiro. Trilhão e meio de vezes melhor que os estúdios de 10 anos atrás. Fico pensando nisso tudo, viu... estou velho? Não. É a velocidade da inovação, não só tecnológica, mas universal, típica da atual fase do capitalismo, que me faz sentir assim, velho aos 31. Considerando-se a expectativa de vida do brasileiro médio, tô é novo ainda. E como a coisa ficou acessível, por que não produzir a própria música, ao invés de somente ser expectador? Essa é a tônica atual. Sim, isso dá uma tese de doutorado, e eu não tô afim de ficar vomitando Adorno aqui não.
Demorou um pouco para eu escrever sobre uma banda que eu gosto muito, e que é uma puta revelação desta nova safra do rock goianiense. A superinformação e a nova forma como abordamos a arte, especificamente a música, neste contexto todo, me deixou atordoado. Eu ouvi tantos My Spaces por estes dias, que tenho a impressão de que toda a música do mundo é produzida em Goiânia. Uma enxurrada de peças de arte, um oceano de opções, onde nossa percepção a conta-gotas custa a apreender algo com significância. É raro realmente “pararmos” para ouvir. Vejo uma cena muito mais interessada em produzir sempre do que absorver a arte já no circuito. Há a necessidade eterna da novidade. E eu já estou quase quebrando meu pacto de não “intelectualizar” isso tudo, pelo menos não hoje.
A Jackie’s Knife é atualmente minha banda favorita de farofagem. Há momentos em que somente um Poison salva o dia, he he he. Há situações que pedem um Skid Row (não me comprometa perguntando que situações são essas, ok?). E depois que eu ouvi o EP auto-intitulado, tratei de gravá-lo em mídia física para ouvir com mais carinho. Não sai do meu Philips velho de guerra há dias.
Ultimamente, só tenho tempo de cozinhar a noite. Há algum tempo, queria fazer um prato que já executara em outras oportunidades, e que meu paladar pedia novamente: Porco à espanhola. Foi nesse dia perdido entre a semana passada e a retrasada, que fundimos, minha esposa e eu, hard rock e uma bela carne.
Fuja de fontes inseguras de carne de porco. É perigosíssima se não veio de um bom criadouro. Já ouviu falar de tênia? Então. Gordura em excesso significa hormônio em demasia, e não propriamente que tínhamos um capadão das costas rachadas. Fique esperto com isso. Cheire a carne antes de comprá-la. Aquele fedorzinho de urina não sai mais, se estiver impregnado na carne. Significa animal mal abatido. Ou falha na limpeza das peças de carne. Ela deve estar limpa, magra e com cheiro só de sangue e sucos próprios dela.
Escolhi uma bela peça de lombo, separada pelo açougueiro-amigo, do mercado ao lado de casa. Cortada respeitando a direção das fibras, em cubos pequenos. Lombo é uma carne seca, se os pedaços a serem preparados ficarem grandes você terá problemas depois para comê-los.
No som, reserve 50 minutos para ouvir, e eu disse OUVIR, o Jackie’s Knife. Tempo suficiente para sacar duas vezes a demo. Acredite, se você gosta de hard rock mela-cueca, vai querer o repeteco. Desculpe-me a rotulagem, mais eu não resisti, he, he, he... No arquivo que baixei da comunidade da banda no orkut, o primeiro som é Eyes on the Highway. Bom som para a abertura. Um baixo simples, simples demais, mas que faz seu papel, acompanha bons riffs, criativos e eficientes. Percebi uma mixagem meio embolada: não sou a pessoa mais indicada para estes pormenores, e na maioria das vezes nem os cito. Bateria tímida, porém bem competente. O vocalista destes moleques me impressiona, pelo seu potencial, em minha modestíssima opinião. Vez ou outra, como em Wild Devil, falta aquele “quê”, parece que a voz não chegou onde deveria, mas essa não é a tônica do trabalho. Na verdade, na maioria dele há agudos afinados, variações de tom bem feitas. Fico imaginando este menino na mão de um produtor profissional.
Hurricane começa com uma senhora introdução, bem hard mesmo. O trabalho dos guitarristas é excelente neste som, o baixo faz um bom fundo. A mim não agrada a “forçação” de vocal, ao estilo cantor de blues americano negro, mas os agudos de voz dados me fazem esquecer isso rapidamente. É som pra chapar, ali na fronteira do rock n’ roll, blues e hard rock.
Já disse aqui neste blog e vou repetir, enquanto o J.K. canta no meu player: carne de porco só se prepara depois que descansa em uma água com limão e/ou vinagre. Lave a carne nesta água, e puf!, desapareceu o problema do “cheiro forte” típico desta iguaria. Em uma panela boa para fritar carne, com bordas, aqueça uma quantidade generosa de azeite de qualidade. Não vale óleo composto, largue a mão de ser pão-duro onde não há necessidade. Cebola e alho já preparados e na espreita, óleo quente, pimba!, doure-os. Frite a carne da forma comum, do jeito que a vovó ensinou pra mamãe. Jamais adicione água. A carne soltará seus sucos, e isso basta. Se quiser, adicione pimenta verde de cheiro na água com limão ali de cima, pimenta esta que vai junto à carne pra panela. Tampe e dê andamento.
Enquanto isso, acompanhado daquele vinhozinho chileno vagabundo (que é vendido por aqui como se fosse a última garrafa de um lote raríssimo), ouça os meninos do Jackie’s Knife tocarem I’ll never cry. Você entenderá o por quê do vinho, ao ouvir essa balada: referências mil aos campeões do estilo – Guns n’ Roses, Bom Jovi e Skid Row. Clichê? Pode até ser. Mas quer saber? É bom demais. Ah, em tempo: se você tem mais po$$ibilidade$ que eu, recomendaria fugir do chileninho vagabundo. Numa estrutura sacada, a banda destila uma verdadeira campeã das dez mais do Cantinho do Coração, aqui na FM da Madrugada. Backing vocals muito bons, bem postados e afinados. Só não entendi uma guitarra arrastando-se no fundo dos dedilhados, nas partes suaves da música.
E aí a carne já está bem cheirosa e dourando. Hora de enfeitá-la. Manjericão nela. Comedidamente, pois esta é uma erva forte, e se passar, estraga a tudo que tocar. Pimentões vermelhos e amarelos, cortados em cubos médios, irão apenas amolecer, e não desmanchar na panela. E se lhe aprouver, cebola cortada em fatias grossas, para perderem o sumo enquanto o prato se acerta. Simples assim. Não permitir que se crie “cascão” no fundo da panela é fundamental para uma boa apresentação da carne.
E do meu toca CD veio uma trilha sonora das velhas propagandas de Hollywood: Rock star. Introdução caprichada, estilão heavy metal. O refrão não é lá muito original, mas o corpo do som é foda.
Minha esposa perguntou se era Bom Jovi ao ouvir Sweet Girl. Poderia citar outras referências menos óbvias, mas foi exatamente esta a pergunta feita por ela. Melodia simples, mas gostosa de ouvir. Refrão bom demais. Faltou mais vida ao violão, penso eu. Um efeito acústico, sei lá. A caída pesada é boa. Bons arranjos de cordas. Wild Devil, com seus riffs matadores, jeitão de lado B de disco bom, foi minha preferida na primeira audição. Como sou muito volúvel, pode ser que isso mude. Mas o som é poderoso.
Não custa lembrar: não sou crítico musical. Não tenho a menor formação para isso, a não ser essa paixão imensa por rock. O que noto no trabalho destes meninos, insolentemente, são arestas a serem aparadas, que um produtor profissional arruma fácil, fácil. Tipo finais abruptos de solos ou frases de vocal. Mas não é nada que desestimule novas e freqüentes audições deste petardo. Eu gostei muito e aguardo ansioso um CD cheio destes caras.
O Porco à espanhola foi bem com o EP do J.K.. E ainda com arroz branco e legumes cozidos em água e azeite virgem. Eu tinha umas poucas alcaparras aqui, e pus nestes legumes – e não é que colou? E fica a lição: nem todo chileninho tinto Carmenère de prateleira em hipermercado vale as dezenas de reais ali depositadas. Hoje eu sei.
Uma arma contra a avalanche de informação musical disponível hoje? Paciência, muita paciência para ouvir. Parece piada no mundo atual, mas sem isso, corremos o risco de nos alimentar de “chileninhos vagabundos” e não conhecer bons trabalhos. O que é bom leva tempo para amadurecer. Eu ouvia gravações da Jackie’s Knife interpretando Guns n’ Roses, há alguns aninhos atrás, e pensava: táquepariu, se esses moleques voltassem esse talento musical para a própria arte, viraria algo muito bom. Dito e feito. Trabalho mais maduro, autoral e de qualidade. Sem modéstia, igual à minha carne de porco, he, he, he...
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Listen to the song!