27 de julho de 2011

Vale a pena ler


Não é genial, mas é criativo. Aliás, coisas geniais têm me parecido tão entediantes ultimamente, que tenho preferido futilidades sinceras, como esta dica que deixo.

Achei-o clicando em "próximo blog", ali em cima. Belas férias as minhas, não?

11 de julho de 2011

FÉRIAS

O blog estará parado por estes dias. Não sei quando novos textos sairão. Boas férias, galera.

29 de junho de 2011

A Xepa da memória

Ah, a memória e seu mecanismo de lembranças de conforto... Como é interessante reviver certas sensações guardadas por anos a fio. Esse é um dos assuntos que me fascina e sem dúvida gostaria de estudá-lo a fundo. Há um romance de Umberto Eco chamado A Misteriosa Chama da Rainha Loana que gira em torno deste tema tão instigante. Recomendo-o: um livreiro italiano perde a memória e volta ao lugar onde cresceu, uma pequena propriedade rural, como parte do tratamento para a sua amnésia completa. Lá, redescobre quem era através do prazer à mesa oferecido pela vida no campo na Itália e por estimular a mente com quinquilharias que colecionava quando menino. É de uma sensibilidade ímpar.

Esse friozinho que aportou em terras vermelhas de cerrado nos últimos dias produz em mim este efeito “memória de conforto”, lembrando-me dos invernos paulistanos da minha infância. Época que sugere comidas carinhosas, como uma boa sopa. Lembro-me de uma em especial: a xepa da geladeira. Na casa do operário metalúrgico meu pai, a fartura era alternada com épocas de aperto. Quem tem mais de 30 aí do outro lado da tela deve se lembrar dos congelamentos de preços e salários da maldita era Sarney. Faltava tudo no mercado. Isso também marcou minha infância. A senhora do torneiro-caldeireiro tinha que improvisar – alimentar a prole com o disponível no momento.

Um naco de carne importada da Europa do Leste, não importava o corte, ia pro caldo. Sim, o maior produtor de carne do planeta, o Brasil, já precisou importar carne, quando os produtores de gado de corte se negaram a entrar no tabelamento de preços imposto pelo governo. Faltava carne no mercado por dias a fio. E aquilo mais que servisse para entrar para a panela e derreter até virar sopa, ia junto. Uma belíssima sopa colorida, enfastiante, fumegante, no inverno seco e poluído de São Paulo. Restos da geladeira como jantar, almoço e jantar de novo, até o operário se virar. Essa era a rotina nos idos de 86/87.

A tradição das padarias paulistanas corre mundo. A padoca lá perto de casa era espetacular. Rio das Pedras padaria, confeitaria e lanchonete. O então jovem chefe de família, hoje senhor carrancudo meu velho, buscava lá uns pães para a sopa. A prole desgrudava da TV, onde acompanhava as peripécias de Daniel Azulay ou o intrépido Pirata do Espaço. Era a hora mais legal do dia, pois era a única que reunia todos ao redor da mesa. Jantávamos muito cedo, dormíamos muito cedo, pois a fábrica esperava seu torneiro às 8 da manhã. Morávamos em Itaquera, a Valmet Tratores ficava do outro lado de São Paulo, 3 horas de condução.

O sabor daquela sopa me vem à boca junto das lembranças na cabeça. Tudo o que foi possível para que pudéssemos viver decentemente foi feito por aquele casal proletário da periferia paulistana. Tenho uma saudade gostosa do perrengue. Não para sofrê-lo novamente, mas por ter sido responsável por quem sou hoje.

Criar as próprias memórias de casal proletário, pós-emersão da classe C. Essa é a meta de senhor e senhora Alemão nos dias de hoje. Linká-las ao passado não tão médio de nossos pais, para ressignificá-las. Eis aí uma coisa interessante: observar o processo de crescimento nas gerações familiares. Na minha família funciona, não sei na sua.

Para termos nossas próprias memórias familiares, quase explodimos uma panela de pressão. Recomendo que compre uma boa, e não essa porcaria que eu tenho aqui. Cozinhar ervilhas em grãos por uma hora e meia foi um ato de fé. Uma xícara servida. Diria eu uma e meia. Água pela metade e paciência quando a porra da válvula entupir. Vai dar tempo de picar a xepa da geladeira. Nas profundezas gélidas da minha Electrolux havia cará, inhame, abóbora menina e japonesa, batata, repolho roxo, cenoura, beterraba e pimentão verde. Foram juntos salsão, uma folhinha de coentro, cebolinha e uma cebola grande picada na vertical.

No meio tempo da ervilha, após ter cuidado da xepa, pique em cubinhos as sobras das carnes de receitas anteriores. Eu tinha peixinho e alcatra. Refogue-as bem temperadas com alho e cebola. Depois de bem fritas, jogue a xepa lá dentro. É obvio que a panela deve ser do tamanho da bunda da mulher melancia: GG Gigante. Refogue mais, misture a coisa toda, deixe o caldo da carne entremear a verdurada. Suas ervilhas já estão derretidas. Tire-as da panela de pressão, jogue no refogado, prove o sal. Ajeite tudo e deixe andar. Eu não posso comer pimenta devido ao meu tratamento de úlcera, mas deu uma vontade louca de sapecar alguma das várias que tenho aqui.

Vez ou outra vá mexendo, terapeuticamente. Se ficar grosso antes do total cozimento da rapaziada toda, acrescente moderadamente água e prove o tempero. Vá nessa procissão, até o negócio endireitar e ficar fantástico, te lembrando que um dia aquilo foi a única refeição possível dentro da sua casa. Acompanha um belo pão a seu gosto, logicamente salgado.

E sobre música, no próximo Rango Rock.

27 de junho de 2011

O último Birita: melhor foi ir de estômago cheio.

Foi um dos finais de semana mais agitados dos últimos meses para nós, a equipe do blog: dois casamentos de amigos, sendo padrinhos em um, com as respectivas festas – ambas muito boas. Festas juninas por aí e de um dos colégios onde trabalho. Duas apresentações com minhas bandas: Palmatória, no sábado e Tirei Zero no domingo, na programação do Birita Rock Atitude, quintal do Fabiano na Nova Suíça. Ufa, sobrevivemos.

Não fomos a nenhuma casa indicada em Goiânia pelo festival Brasil Sabor, comentado por aqui uns textos atrás. Não pelos valores, havia várias opções bem acessíveis. Mais pelo cardápio: incrivelmente, mais de 30 opções de pratos, e nenhum nos seduziu. Alguns triviais demais para tirar algum incauto de casa. Onde já se viu oferecer estrogonofe de carne fast-food em festival gastronômico? A agenda apertada e a falta de criatividade dos chefs da capital de Goiás fizeram com que este blog aguarde a 7ª edição do evento.

Comer bem sem precisar enfrentar trânsito e convenções sociais é sinônimo de cozinhar em casa. Qualquer pessoa minimamente interessada em gastronomia não teria dificuldade alguma em executar as receitas oferecidas pelas casas goianienses participantes do festival Brasil Sabor. No sítio da internet deles estavam todas elas disponíveis. Então, nos perguntamos: qual o sentido de pagar mais, para comer algo que era previsível? Domingo na cozinha dos apertados 58m².

A qualidade do que será seu almoço começa pela escolha dos ingredientes. Treine como escolher uma boa peça de carne. Pesquise na internet os cortes adequados, leia bastante antes de comprar. Dá um resultado fantástico.

O miolo da alcatra é muito saboroso quando fica no ponto certo: não pode assar demais, pois tende a secar rápido. Compre uma peça inteira e limpa. Não é falta de educação pedir ao açougueiro que trabalhe a peça para você. Mais ou menos um quilo é o ideal para a receita que eu tenho aqui. A minha tinha 1,2 kg. Serve fácil quatro pedreiros.

Com verdadeiro espírito de monge, fure a peça e massageie alho, uma pitada de pimenta calabresa seca, quatro folhas médias de louro, alecrim fresco (um ramo servido), duas cebolas médias, pimenta bode vermelha e verde, molho shoyu bom e um limão. Isso tudo descansa com duas camadas de sal grosso: uma forrando o fundo da marinada, a outra por cima da carne. Vinte minutinhos. Sal comedido, pois eu exagerei um pouquinho e senti depois. Forno pré-aquecido médio, uns 225°C. Enquanto marina tudo, cozinhe no ponto “al dente” algumas batatinhas tipo conserva em sal e azeite, com casca e tudo, obviamente higienizadas. Organize tudo na sua assadeira de vidro – carne, molho, temperos, batatas cozidas. Faça uma cama de cebolas cortadas na vertical para colocar o miolo de alcatra para assar. Tudo posto, mande um generoso fio de azeite sobre tudo. Cubra com alumínio e vá beber ouvindo música.

Um arroz branco com alho e cebola, simples e por isso fantástico, solto grão por grão, é um parceiro e tanto. Em um dia mais iluminado passarei aqui uma dica infalível para este ponto de arroz. Stella Artois trincando dá as mão numa boa com a carne também. No Bretas Jaraguá encontramos a cerveja por R$ 1,89. Algo meio tabelado, se você acompanha esta marca.

Trinta minutos no seu forno, vire a carne e tire o papel alumínio. Mais ou menos uns vinte minutos depois, faça uma prova. A minha estava no ponto perfeito: macia e suculenta por dentro, casquinha tostada por fora. Levemente salgada por carregar a mão na hora de mariná-la. Alecrim e louro ficaram bem juntos, ambos perceptíveis no paladar. Picante também, pois a pimenta calabresa é forte, sugiro que entre somente como um “plus”, para não arruinar seu prato. A pimenta bode entra como toque estético, para colorir a carne. É inofensiva se usada comedidamente. Autocrítica: nota 7,5. Médio-bom. Olha ela sorrindo pra você na cabeça desta postagem de hoje...Desculpe minha pouca habilidade com uma câmera fotográfica. Idem com a apresentação do prato.

No Birita Rock Atitude, a mesma casa, o mesmo banco, as mesmas ervas relaxantes e o mesmo jardim. O mesmo pesticida rotulado Nova Schin servido como se fosse cerveja. O mesmo pingorante vai-com-jesus-e-o-carcará a incríveis R$ 0,10. Salgados tipo cantina de colégio. Pedrinho, o Orc, não passou no teste de cardápio do evento. Bandas, muitas bandas. Dois dias de festa. Todas com o selo de qualidade Birita. A mesmice divertida de sempre. Amigos por ali, histórias engraçadas, chapação. Com certeza, um dos eventos mais bacanas da cidade. A fórmula gasta só demonstra que funcionou bem, por uma década inteira. A vizinhança da Nova Suíça nunca mais será a mesma sem o Birita Rock Atitude. E como foi bom descobrir que na distribuidora de bebidas bem próxima havia Heineken gelada. Melhor ainda foi fechar a noite entupindo-me de caldo no Setor Aeroporto em excelente companhia. Não julgo os caldos, pois meu paladar saiu correndo na terceira ou quarta Heineken horas antes. Minha língua já estava grossa: a coitada da Itaipava Premium que tomamos no bar dos caldos não me disse nada. Os amigos, com todo o pacote de atrativos e repulsivos que trazem juntos, ainda são a melhor coisa que se tem na vida. Tá, soou piegas mesmo. Afinal, já está patente minha falta de inspiração para esta postagem. Quando será que estarei livre completamente dos últimos sinais desta maldita depressão?

Sobre a música na noite do quintal de Fabiano? O tempo parou, há anos, em Goiânia. Não sei lhe dizer se isso é bom ou ruim. Ontem colou, não sei até quando comigo.

24 de junho de 2011

Lendo o rock nas origens

Você já ouviu, tenho certeza, a expressão: “A história de algumas bandas de rock deveria ser matéria de escola”. Particularmente, realizo esta máxima sempre que tenho a oportunidade em minhas aulas. A história da cultura na segunda metade do século XX fica muito mais interessante para alunos entre 15 e 18 anos quando contada pelo viés dos movimentos contraculturais de juventude. Geralmente, são as aulas mais reverberadas pela molecada.

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Há a responsabilidade de não doutrinar, óbvio. Não é esse o fim último da educação omnizante da qual sou adepto (ver o magistral artigo publicado pelo professor e camarada Nildo Viana, na Revista Estudos, da PUC-GO, v.31, nº 3, março de 2004, intitulado “Marx e a educação”). Minha finalidade é tornar o objeto de estudo mais próximo da bagagem acumulada pelo alunato. Nesse sentido, há um mar de publicações que são interessantes e recomendáveis, do ponto de vista historiográfico e didático. O mercado editorial brasileiro tem feito um esforço sobre-humano para colocar este povo bronzeado e gingante, público cativo das tolices do oráculo Bonner, em frente aos livros. Há inclusive fenômenos de vendas nacionais no campo da historiografia. Autores como Eduardo Bueno vendem bem entre o público jovem.
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Livros especializados em história do rock há aos montes, e este que vou comentar aqui é apenas um dos milhares escritos sobre os Beatles. Dentre os quatro que li, é o melhor e mais recomendável, e por isso o tenho. O filtro que usei para chegar a ele e indicá-lo foi simples: linguagem acessível para não-iniciados, boas referências historiográficas, autor sério e de qualidade, e por fim, texto gostoso de ler, que prende a atenção do moleque. A obra “A Revolução dos Beatles”, de Roberto Muggiati, chegou às minhas retinas em 1999, quando cursava História na atual PUC de Goiás. Minha edição é a primeira, de 1997. Não sei se outras edições modificaram algo no texto, como atualizações de dados ou o que o valha. A editora é temerosa, Ediouro – famosa por lançar muita coisa dispensável no fraco mercado editorial brazuca. Contrariando essa fama, este livro é muito bom.
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Em aproximadamente 160 páginas pouco ilustradas, o jornalista de longa carreira, ex-correspondente da agência BBC Brasil na Londres dos anos 60, narra de maneira não-linear a história dos fab-four de Liverpool. Com muita pesquisa, a abordagem foge do comum, não se atendo apenas aos aspectos musicais, ampliando para temas como cinema, moda, comportamento e conjuntura. Tratando de curiosidades, fora do padrão sensacionalista, o livro apresenta, por exemplo, parte dos gostos culinários e enológicos da banda. Você sabia que dentro do escritório da Apple, selo dos Beatles em Londres, havia uma cozinha de padrão internacional com um dos melhores chefs franceses da época? Uma adega completa climatizada com os melhores rótulos europeus? Sim, é realmente muito bom ter oceanos de dinheiro fluindo na sua conta bancária. O maior fenômeno pop da música na história foi, obviamente, uma máquina de fazer dinheiro, sem nenhum precedente desde os primórdios da música. Na obra, há ainda árvores genealógicas interessantíssimas traçando a origem operária da banda e de todos os diretamente envolvidos nela.
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Mas se você quer uma abordagem mais técnica em relação à música, relaxe: o autor é especialista em jazz, fã incondicional de blues. Daí a analisar profundamente a obra de Lennon-MacCartney, com riqueza e conhecimento de causa, foi um pulo. As composições mais relevantes de cada álbum são apresentadas de forma a destacar o enorme salto de qualidade que a dupla experimentou na década e meia em que estiveram juntos, desde os Quarrymen de fins dos anos 50. A divisão de capítulos reforça a ideia: os títulos são nomes de álbuns ou músicas dos Beatles, sacada pouco original, é verdade, mas muito didática para um leitor desavisado. As inserções sobre a importância da experiência “beatle” com drogas também chamam a atenção, pois destacam a passagem da inocência adolescente à malícia típica do rock sessentista. Em sua “tese”, o autor aposta nesta virada da carreira dos Beatles (de meninos em terninhos mod's para cabeludos hippies) como sendo fruto direto da experiência com THC e posteriormente, LSD. E credita a Bob Dylan esse feito, por ter apresentado a marijuana aos quatro working class heroes.

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Já utilizei passagens desta obra para algumas aulas sobre “revolução cultural” dos anos 60. A abordagem sobre a consolidação da indústria cultural de massa fica bem mais interessante, se exemplificada com seu maior expoente na música. De fácil assimilação, ao mesmo tempo em que evita a apresentação rasa dos fatos, o livro apresenta os Beatles também na forma de mega-empresa voltada ao entretenimento. Supimpa.

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Leitura agradável, informativa e formativa, típica de quem quer algo mais do que o senso comum pode oferecer. Facilmente encontrável em livrarias de usados, ou pela internet, em sítios de usados. No da Ediouro, está fora de catálogo. Na faixa de R$ 15 a R$ 20, é uma boa pedida de leitura para as férias de julho, gurizada. Para os marmanjos que já dominam o assunto, lhes asseguro: há novidades na abordagem de Muggiati. A densa pesquisa efetuada para o livro não deixou escapar muita coisa. É um livro completo, com dados preciosos sobre o processo de criação dos Beatles. Vale a pena ter no acervo particular. Um bom café, bolachinhas caseiras de nata e um livro empolgante – quer melhor?