24 de junho de 2011

Lendo o rock nas origens

Você já ouviu, tenho certeza, a expressão: “A história de algumas bandas de rock deveria ser matéria de escola”. Particularmente, realizo esta máxima sempre que tenho a oportunidade em minhas aulas. A história da cultura na segunda metade do século XX fica muito mais interessante para alunos entre 15 e 18 anos quando contada pelo viés dos movimentos contraculturais de juventude. Geralmente, são as aulas mais reverberadas pela molecada.

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Há a responsabilidade de não doutrinar, óbvio. Não é esse o fim último da educação omnizante da qual sou adepto (ver o magistral artigo publicado pelo professor e camarada Nildo Viana, na Revista Estudos, da PUC-GO, v.31, nº 3, março de 2004, intitulado “Marx e a educação”). Minha finalidade é tornar o objeto de estudo mais próximo da bagagem acumulada pelo alunato. Nesse sentido, há um mar de publicações que são interessantes e recomendáveis, do ponto de vista historiográfico e didático. O mercado editorial brasileiro tem feito um esforço sobre-humano para colocar este povo bronzeado e gingante, público cativo das tolices do oráculo Bonner, em frente aos livros. Há inclusive fenômenos de vendas nacionais no campo da historiografia. Autores como Eduardo Bueno vendem bem entre o público jovem.
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Livros especializados em história do rock há aos montes, e este que vou comentar aqui é apenas um dos milhares escritos sobre os Beatles. Dentre os quatro que li, é o melhor e mais recomendável, e por isso o tenho. O filtro que usei para chegar a ele e indicá-lo foi simples: linguagem acessível para não-iniciados, boas referências historiográficas, autor sério e de qualidade, e por fim, texto gostoso de ler, que prende a atenção do moleque. A obra “A Revolução dos Beatles”, de Roberto Muggiati, chegou às minhas retinas em 1999, quando cursava História na atual PUC de Goiás. Minha edição é a primeira, de 1997. Não sei se outras edições modificaram algo no texto, como atualizações de dados ou o que o valha. A editora é temerosa, Ediouro – famosa por lançar muita coisa dispensável no fraco mercado editorial brazuca. Contrariando essa fama, este livro é muito bom.
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Em aproximadamente 160 páginas pouco ilustradas, o jornalista de longa carreira, ex-correspondente da agência BBC Brasil na Londres dos anos 60, narra de maneira não-linear a história dos fab-four de Liverpool. Com muita pesquisa, a abordagem foge do comum, não se atendo apenas aos aspectos musicais, ampliando para temas como cinema, moda, comportamento e conjuntura. Tratando de curiosidades, fora do padrão sensacionalista, o livro apresenta, por exemplo, parte dos gostos culinários e enológicos da banda. Você sabia que dentro do escritório da Apple, selo dos Beatles em Londres, havia uma cozinha de padrão internacional com um dos melhores chefs franceses da época? Uma adega completa climatizada com os melhores rótulos europeus? Sim, é realmente muito bom ter oceanos de dinheiro fluindo na sua conta bancária. O maior fenômeno pop da música na história foi, obviamente, uma máquina de fazer dinheiro, sem nenhum precedente desde os primórdios da música. Na obra, há ainda árvores genealógicas interessantíssimas traçando a origem operária da banda e de todos os diretamente envolvidos nela.
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Mas se você quer uma abordagem mais técnica em relação à música, relaxe: o autor é especialista em jazz, fã incondicional de blues. Daí a analisar profundamente a obra de Lennon-MacCartney, com riqueza e conhecimento de causa, foi um pulo. As composições mais relevantes de cada álbum são apresentadas de forma a destacar o enorme salto de qualidade que a dupla experimentou na década e meia em que estiveram juntos, desde os Quarrymen de fins dos anos 50. A divisão de capítulos reforça a ideia: os títulos são nomes de álbuns ou músicas dos Beatles, sacada pouco original, é verdade, mas muito didática para um leitor desavisado. As inserções sobre a importância da experiência “beatle” com drogas também chamam a atenção, pois destacam a passagem da inocência adolescente à malícia típica do rock sessentista. Em sua “tese”, o autor aposta nesta virada da carreira dos Beatles (de meninos em terninhos mod's para cabeludos hippies) como sendo fruto direto da experiência com THC e posteriormente, LSD. E credita a Bob Dylan esse feito, por ter apresentado a marijuana aos quatro working class heroes.

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Já utilizei passagens desta obra para algumas aulas sobre “revolução cultural” dos anos 60. A abordagem sobre a consolidação da indústria cultural de massa fica bem mais interessante, se exemplificada com seu maior expoente na música. De fácil assimilação, ao mesmo tempo em que evita a apresentação rasa dos fatos, o livro apresenta os Beatles também na forma de mega-empresa voltada ao entretenimento. Supimpa.

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Leitura agradável, informativa e formativa, típica de quem quer algo mais do que o senso comum pode oferecer. Facilmente encontrável em livrarias de usados, ou pela internet, em sítios de usados. No da Ediouro, está fora de catálogo. Na faixa de R$ 15 a R$ 20, é uma boa pedida de leitura para as férias de julho, gurizada. Para os marmanjos que já dominam o assunto, lhes asseguro: há novidades na abordagem de Muggiati. A densa pesquisa efetuada para o livro não deixou escapar muita coisa. É um livro completo, com dados preciosos sobre o processo de criação dos Beatles. Vale a pena ter no acervo particular. Um bom café, bolachinhas caseiras de nata e um livro empolgante – quer melhor?

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