26 de janeiro de 2010

Fraldinha, Tape e a decepção em puro malte.


Eu devia a mim mesmo e a minha esposa um jantar bem feito, há alguns dias. Janeiro é mês de modorra. De preguiça exagerada. Inventei pouco na cozinha nestas férias. Não extrapolei em nada. Deixei-me levar pelas sorumbáticas férias caseiras, dentro de um apartamento de 58 m².
Hoje voltei ao trabalho, e com isso, voltou o sangue que cora minha cara lerda. Sacudi o bolor e fui ver o que havia na minha dispensa. Nada demais, que me inspirasse. Meu repente não foi impedido graças a uma ligação que fiz ao meu açougueiro: “Alemão, chegou hoje uma fraldinha zera aqui, mermão!” Era o incentivo primordial. E sim, eu sou amigo do açougueiro do mercado ao lado de casa, a ponto de usar possessivo ao me referir a ele. Venho investindo muito no “local”, e desacreditando cada vez mais nas grandes marcas e bandeiras comercias. Mas disso falamos depois.
Eu só cozinho com música rolando. É um hábito. E escolho a trilha de acordo com o que vou fazer. Não estudo uma relação direta entre prato e som. Vai do momento. Estou tentando me desvencilhar de jazz, pois passei um janeiro viciante garimpando na internet coisas desse gênero. Escolhi um fruto da terra pra começar esse processo de “reintoxicação” dos meus tímpanos. O excelente blog da Two Beers disponibilizou hoje em mp3 um lançamento que me surpreendeu muito: o EP da banda grunge Tape. Uma das raras exceções que marcavam meu player nos meus “jazz days”. Estava louco pra ouvir o EP todo. Vai ele pra vitrola, enquanto eu me aperto na cozinha.
Duas Therezópolis Gold pro freezer, juntando-se às Brahmas Extras que já o habitavam. A idéia era deixá-las matematicamente geladas até o final da execução do prato. A fraldinha é uma carne que exige cuidados de quem a prepara. Suas fibras são mais abertas, e absorvem mais tempero. Uso uma pasta de alho e sal caseira, cuja mistura e proporção conheço bem. Muito alho, menos sal. Além dela, cebola picada, suco de limão, que deixa a carne com cheirinho de final de ano, pimenta verde de cheiro picada e um toque de shoyu para equilibrar o azedume. Tudo muito bem esfregado à carne, que descansa no seu próprio suco e temperos por meia hora apenas. Lembre-se: não é um banquete, é um jantar de terça-feira. Cuidado ao dosar o sal.
O que vinha do meu toca discos me animava: o Tape manda um grunge clássico, ora com pitadas de metal, ora com visitas ao punk rock. Mas na essência, é Seatle na veia. Deu vontade de voltar uns 16, 17 anos atrás, com minha camisa de flanela xadrez. A banda trás referências dos grandes nomes do gênero, e consegue soar original na maior parte do trabalho. Mas é impossível não lembrar de Nirvana ao ouvir “Ácido”, principalmente quanto ao riff de abertura do som. Abri a primeira Brahma Extra animado, batendo os dedos em tudo quanto é lugar da casa, acompanhando a boa cozinha da banda. O vocal me causou certo desconforto de início, principalmente no prolongamento de algumas palavras de fim de verso. Próprio do estilo. Soou forçado demais pros meus ouvidos. O segundo som que ouvi, “C’est la vie”, foi uma surpresa agradável: leve, despretensioso. Algo um tanto incomum nos últimos lançamentos goianos – instrumental, sem distorções, poucos efeitos, simples, cru, e bonito. No terceiro som, “Estações Vazias”, comecei a me recordar dos tempinhos ingênuos de paulistaninho recém-chegado em terras goianas, metido a grunge, imitação barata de Kurt Cobain em colégio estadual periférico. Início da década de 90, ontem praticamente. E a música foi se desenvolvendo, e meu ânimo foi se esvaindo. Uma sombra de melancolia se apossou de mim a partir de “Poemas Perversos (para noites sujas)”. Pela letra e pela melodia. O peso fica mais evidente, mas o ritmo cai. Na quarta música, o trabalho mergulha de vez nessa onda deprê. Letras que nos levam a relembrar os velhos conflitos adolescentes. Eu tive vários, como todo mundo. Quase joguei a carne fora. Quase pulei da janela. E acreditem, eu percebi o que se passava. Me vi ali, solto no sofá, sorvendo álcool e lembrando de coisa velha.
Era hora de começar a magia na cozinha: ao mesmo tempo, “Psicanálise” inicia a retomada do Tape, pra temas musicais mais animados e menos cansativos. Nada de amarelar pra terça-feira, oras... O guitarrista destes meninos é bom. Ele entende exatamente a proposta. Soube dosar o preciosismo dos solos na medida certa. Seus riffs aqui dialogam numa boa com metal. Nada muito masturbatório.
Reanimado pelo som, reguei com bom azeite uma forma de chapa fina. Ela é própria para assados rápidos, como essa fraldinha. Disponha sempre a manta de carne de modo a dar uniformidade ao acesso à fonte de calor. Assim, você evita o cozimento desigual. Fogo médio, 220ºC, forma na grade de cima. E mais cerveja, pois amanhã só entro no trabalho às 10hs.
“Vandalismo” tem jeitão de hit. Levanta-poeira. Riff simples e muito competente logo de cara. Letra legal. Ganhou, pelo menos nesta primeira audição, como minha preferida deste EP. “Verdades e mentiras” aparece com um recurso “chiclete” interessante: tem um “iá, iá, iá” no final de alguns versos que chega mesmo a irritar, mas que cola na cabeça de um modo arrebatador. Mesmo que você não queira. E isso é inteligente, penso eu.
Quando minha fraldinha ficou no ponto que eu gosto, abri o forno e presenteei a vizinhança com o perfume de um prato barato, caseiro e muito bom. Ingredientes escolhidos a dedo, parcimônia e empolgação são minhas dicas.
A Therezópolis Gold poderia ser mais pelo preço estratosférico que me cobraram por ela. É melhor que qualquer outra marca de grande circulação. É de puro malte. Mas ainda não é referência. Pelo menos pro meu paladar. A carne foi acompanhada por uma cerveja mediana, e só. E por jazz. Sim, a degustação do EP “Verbalize” da banda Tape dura apenas 25 minutos. Tempo este que esteve entre os preparativos do prato. Suficientes para deixar em meus tímpanos uma excelente impressão. Há diversos pormenores no trabalho que sinceramente não quero comentar. Em suma, estão de parabéns. Na modesta opinião deste ex-grungeiro MTV, o caminho é esse. Investiram em qualidade na gravação, projeto gráfico, trabalharam um conceito para a banda, enfim, se levaram a sério. Primeiro passo já foi dado. Quero ter esse EP em mãos.

Conheça o trabalho deles, que inspirou minha fraldinha com pimenta verde:
www.myspace.com/taperockbr
http://taperockbr.blogspot.com/

Um comentário:

Israel disse...

gostei, o som não ouvi.
boa sorte na volta!
Israel