(Texto válido para a promoção do evento "Punk is not profits". Comente sobre, e concorra a ingressos para o evento.)
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Minha família é de origem mineira, embora eu seja paulistano. E como mineiros legítimos, há um verdadeiro culto idólatra ao café, hábito que herdei com fervor. O pão de queijo não veio neste pacote de tradições, curiosamente.
Aprendi a apreciar o café nas rodas de causos dos adultos, das quais era difícil participar, pois sempre era expulso dali. “Assunto de gente grande, moleque!”, era sempre assim que terminava um palpite meu. Meus avós maternos são mestres na arte de trazer o passado de volta, com mais sabor na narrativa.
O café não pode jamais ser este “de pacote”. De preferência deve ser comprado em grão cru. Assim, você percebe se há misturas indesejáveis, como soja ou milho velho. Sim, acontece nas melhores marcas e é inclusive permitido pelo Ministério da Agricultura. Estes eram os primeiros mandamentos do velho Dário, doutor honoris causa no assunto, meu falecido avô.
Você não encontra grãos tipo exportação nas feiras livres. Mas isso realmente não é determinante se você não é dono de uma cafeteria sofisticada. Os grãos vendidos nos mercados populares são, em sua maioria, sobras dos cafezais.
O passo seguinte é torrá-lo no ponto adequado. Ter um fogão à lenha ajuda. Nas casas de produtos agropecuários, você acha com facilidade o torrador de café, que se assemelha muito com uma pipoqueira antiga. O chamado “ponto forte” é alcançado somente por mestres. É a fronteira entre queimar o grão e apenas torrá-lo. A ciência do sabor do café passa por aqui. Teremos café com gosto de carvão se houver imperícia. Nunca vi o velho Dário errar um ponto sequer.
O passo seguinte é moer o grão torrado. No moedor manual, é claro. Também encontrado nas melhores casas de produtos do campo. Saber regulá-lo também é mister. Um pó fino em demasia prejudica a infusão por ser mais difícil de “passar” no coador, além de ser mais difícil de se obter no moedor. Um pó excessivamente grosso não retém a água o suficiente.
Aprendi a apreciar o café nas rodas de causos dos adultos, das quais era difícil participar, pois sempre era expulso dali. “Assunto de gente grande, moleque!”, era sempre assim que terminava um palpite meu. Meus avós maternos são mestres na arte de trazer o passado de volta, com mais sabor na narrativa.
O café não pode jamais ser este “de pacote”. De preferência deve ser comprado em grão cru. Assim, você percebe se há misturas indesejáveis, como soja ou milho velho. Sim, acontece nas melhores marcas e é inclusive permitido pelo Ministério da Agricultura. Estes eram os primeiros mandamentos do velho Dário, doutor honoris causa no assunto, meu falecido avô.
Você não encontra grãos tipo exportação nas feiras livres. Mas isso realmente não é determinante se você não é dono de uma cafeteria sofisticada. Os grãos vendidos nos mercados populares são, em sua maioria, sobras dos cafezais.
O passo seguinte é torrá-lo no ponto adequado. Ter um fogão à lenha ajuda. Nas casas de produtos agropecuários, você acha com facilidade o torrador de café, que se assemelha muito com uma pipoqueira antiga. O chamado “ponto forte” é alcançado somente por mestres. É a fronteira entre queimar o grão e apenas torrá-lo. A ciência do sabor do café passa por aqui. Teremos café com gosto de carvão se houver imperícia. Nunca vi o velho Dário errar um ponto sequer.
O passo seguinte é moer o grão torrado. No moedor manual, é claro. Também encontrado nas melhores casas de produtos do campo. Saber regulá-lo também é mister. Um pó fino em demasia prejudica a infusão por ser mais difícil de “passar” no coador, além de ser mais difícil de se obter no moedor. Um pó excessivamente grosso não retém a água o suficiente.
A infusão não pode nem sequer ser imaginada se não em um bom coador de pano. É ritualístico. Colocar o pó para esquentar junto com a água é simplesmente sacrilégio. Ele deve ser colocado à parte dentro do coador para esperar a água. E sim, está certo ali atrás: esquentar. Água fervente, borbulhando, queima o pó. Ela deve ser despejada nos primeiros sinais de fervura. Dica: quando as bolhinhas surgirem na parede da caçarola, segundos antes da fervura total. Você não tem uma caçarola? Oras, em que mundo você vive, afinal?
O bule de metal recebe o café direto do coador. Nada de transferir de recipiente, pois não queremos beber suco de café. Ah, sim... se você tem uma garrafa própria para o café e fere a mística de consumi-lo direto do bule, evite passá-lo por um bule, e coe-o direto na garrafa.
O açúcar é opcional. No rito Lopes, ele quase não está presente. De tão pouco, ele vai direto diluído na água. Mas isso é aí, com o seu paladar. Tente experimentar o café e seu amargor sem a presença ostensiva do açúcar. Converse com o gosto do grão. Sinta o imenso prazer da absorção de cafeína sem intermediários. Essa é outra dica.
Café frio é conteúdo de cano da pia. Perde todas as propriedades gustativas depois que esfria. Oferecer-me café esquentado é uma ótima maneira de produzir uma péssima imagem de quem tem essa coragem. Que tipo de sujeito bebe café esquentado? E pior, que tipo de ser humano oferece isso aos convivas?
A degustação deve ser feita prazerosamente. A arte de conversar com o paladar e apreender o sabor do café vai contra todo e qualquer ditame do fast-food. É um verso de amor e militância à slow food. Ouvir os causos dos avós, no quintal de terra, debaixo da mangueira, bebendo café e aguardando as roscas da vovó ficarem prontas. Eu chamo isso de felicidade. E eu tive isso.
Sigo cada passo dos ensinamentos do velho Dário. Ele gostava de degustar o café no nascer do sol, todas as manhãs. Ouvindo uma rádio AM, onde cantavam Tião Carreiro e Pardinho, Pedro Bento e Zé da Estrada, Tonico e Tinoco. Eu sentava ali na cozinha com ele, esperando o chamado para o resto da família, avisando que o café estava pronto: “Ó o Móca!”. Aquilo me dava uma alegria imensa. Hoje, me dá uma saudade lancinante.
O gosto do café combina com tudo, é verdade. Embala minhas incursões pretensamente literárias, minhas horas de folga na internet, as audições de certos tipos de música. Na minha cabeça, combina demais com jazz, britrock e moda de viola raiz. Tem gente que jura que combina com rock pesado. Eu não consigo ouvir Disrupt ou Iron Maiden bebendo café. Até consigo, é verdade, mas não faz o menor sentido.
É certo que continuarei sendo o bastião da arte do bom café. Os milenares códices a mim foram confiados, não posso falhar. Avante, nós!, os viciados em cafeína!
O bule de metal recebe o café direto do coador. Nada de transferir de recipiente, pois não queremos beber suco de café. Ah, sim... se você tem uma garrafa própria para o café e fere a mística de consumi-lo direto do bule, evite passá-lo por um bule, e coe-o direto na garrafa.
O açúcar é opcional. No rito Lopes, ele quase não está presente. De tão pouco, ele vai direto diluído na água. Mas isso é aí, com o seu paladar. Tente experimentar o café e seu amargor sem a presença ostensiva do açúcar. Converse com o gosto do grão. Sinta o imenso prazer da absorção de cafeína sem intermediários. Essa é outra dica.
Café frio é conteúdo de cano da pia. Perde todas as propriedades gustativas depois que esfria. Oferecer-me café esquentado é uma ótima maneira de produzir uma péssima imagem de quem tem essa coragem. Que tipo de sujeito bebe café esquentado? E pior, que tipo de ser humano oferece isso aos convivas?
A degustação deve ser feita prazerosamente. A arte de conversar com o paladar e apreender o sabor do café vai contra todo e qualquer ditame do fast-food. É um verso de amor e militância à slow food. Ouvir os causos dos avós, no quintal de terra, debaixo da mangueira, bebendo café e aguardando as roscas da vovó ficarem prontas. Eu chamo isso de felicidade. E eu tive isso.
Sigo cada passo dos ensinamentos do velho Dário. Ele gostava de degustar o café no nascer do sol, todas as manhãs. Ouvindo uma rádio AM, onde cantavam Tião Carreiro e Pardinho, Pedro Bento e Zé da Estrada, Tonico e Tinoco. Eu sentava ali na cozinha com ele, esperando o chamado para o resto da família, avisando que o café estava pronto: “Ó o Móca!”. Aquilo me dava uma alegria imensa. Hoje, me dá uma saudade lancinante.
O gosto do café combina com tudo, é verdade. Embala minhas incursões pretensamente literárias, minhas horas de folga na internet, as audições de certos tipos de música. Na minha cabeça, combina demais com jazz, britrock e moda de viola raiz. Tem gente que jura que combina com rock pesado. Eu não consigo ouvir Disrupt ou Iron Maiden bebendo café. Até consigo, é verdade, mas não faz o menor sentido.
É certo que continuarei sendo o bastião da arte do bom café. Os milenares códices a mim foram confiados, não posso falhar. Avante, nós!, os viciados em cafeína!
5 comentários:
Tenho 18 anos e todo mundo acha esquisito eu gostar de café, eles falam: café é bebida de velho. É uma teoria idiota, tomo café desde que me entendo por gente, sempre vou na casa da minha vó pra comer pão de queijo e me fartar de café feito pela vó (que é o melhor)acho que peguei o costume mais ou menos desse jeito sendo excluído das conversas do adultos, bebo café ouvindo música, estudando e até mesmo jogando conversa fora com os amigos enquanto todo mundo tá lá bebendo refrigerante lá estou com a caneca.
Viva o café! Você pode dormir quando estiver morto!
Café e blues.
Acho que dispensa qualquer comentário a respeito de qualquer coisa...
lembra minha primeira vez com língua queimada.
bebidas, só geladas!!!!!!!! hehehe...
Eu era um garoto de apenas três anos de idade, com um estômago estupidamente frágil, que rejeitava tudo. Babava e babava muito quando via outras pessoas comerem, a minha mãe diz que a hora das refeicoes eram uma tortura pra mim. Um belo dia quase afogando em saliva ao ver meu pai comer pao com café a dona Dina resolveu me dar o mesmo...não custava nada né, mal comia e qualquer coisa que parasse no meu estômago era lucro. Reza a lenda que ao colocar um pouco de café na minha boca meus olhos lacrimejaram e eu pedi mais....mais e mais! Em determinados lugares do mundo café é proibido para menores, nunca entendi e nem quero...só sei que desde os tres anos degustando esse negro amor eu nunca achei nada igual, nem quero, vai pro resto da vida. Hábito que me levou a excessos, ganhei uma gastrite, mas e daí?! Sem café eu não fico! Era só uma frase mas eu achei válido relatar o meu primeiro contato com o café.
então, café me lembra uma época que eu não vivi! Me lembra uma elite de latifundiarios tomando café com roupas elegantes, provando da mais fina bebida, daqeuelas que ninguém no brasil tomava, já que aqui so vendiam as sobras daquele cafpe que era exportado. Toda vez que eu tomo café (o que é muito frequente) eu lembro dessas pessoas e de como uma exgtração tao prazerosa um dia definiu o poder do nosso país.
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