20 de junho de 2011

Tédio

Tédio. Nada mais. Venho sentindo uma incrível preguiça de frequentar concertos na capital onde nunca faz frio de verdade. Aliás, quase minto: senti-me muito tentado a aceitar o convite de um amigo para a apresentação da orquestra onde ele toca clarinete. O evento rolou no teatro do colégio Santo Agostinho. O repertório era de encher os ouvidos: neoclássico, música moderna e baratos afins. Pena que na sexta 17 minha agenda já estava comprometida.

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Você também sente um marasmo imenso na produção musical deste cerrado vermelho? Parece que Háthor inspiradora anda meio avessa às guitarras distorcidas e povo pagão. Os produtores de eventos, nas mais variadas vertentes, se esforçam: lugares novos, aparelhagens de som melhores, estruturas maiores, divulgação dirigida, novas embalagens e... insosso. Ninguém aqui do meio oeste caiapó tem me persuadido a sair dos meus aconchegantes 58 m² sem varanda. Mas é claro, esta é uma impressão pessoal. Talvez para você, estejamos em meio a uma nova revolução. Vai saber, né? E se você pensou que eu teria a empáfia de não me incluir nesta, já que participo de algumas bandas goianienses, rodou meu chapa. Tá eu ali no meio também. A impressão que eu tenho é ter me esperando na cena rock aquela “belíssima lasanha bolonhesa de domingo, com aquela massa comprada no 'empório' que custa os rins, excelente carne moída sem gordura, presunto e queijos bons, requentada no almoço de quarta”. Não sou bom com as metáforas, mas é isso.

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Em casa, venho acompanhando o festival Brasil Sabor, de gastronomia brasileira. Em sua 6ª edição, o barato é ver aquele restaurante que você gosta, mas tem medo da conta e só foi uma ou duas vezes, praticar preços mais convidativos a esta parcela deselegante da classe média verde-amarela. Não somos o lumpem trôpego, nem somos os eleitos de Mamon. Como é difícil esta posição no sistema. Bacana pensarem que podem ampliar as vendas, chamando a audiência da Sky promocional de R$ 69,90 para estacionarem seus populares financiados na porta e fungarem vinhos ordinários nas “taças” iguaizinhas às do Olivier Anquier, procurando traços de terra mediterrânea e castanhas torradas com tabaco cubano. Chique, né? Nesta semana, terei meu momento “inclusão social”. Vou comer em um lugar onde estive uma vez, mas que serviu algo realmente bom, e por isso merece minha saudade. Não pelo fato de ser um restaurante “chique”. Sinceramente, isso pouco importa para mim. Após gastar muito Labra preto nº 2 e borracha Mercur azul-vermelha que apaga caneta, descobrimos que há uma brecha no orçamento doméstico para tanto. Só não rola quinta-feira: tem House no Universal Channel. Depois te conto sobre esta estripulia operária.
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Sobre ser “de bacana” ou não, a melhor pizza que eu já experimentei em Goiânia, aquela com jeito de pizza paulista do Bexiga, é de uma obscura casa do bairro São Judas Tadeu: a “La Romana”, que é deveras melhor que a tradicionalíssima Scarolla. Falo sem medo de meu leitor tirar a prova. Nada de massa frita ou pré-cozida, nada de modismos estúpidos. Qualidade de matéria-prima e só. A “La Romana” não está inscrita no festival Brasil Sabor. E não se paga nem três dezenas de mirréis na melhor pizza da casa.
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No “line-up” dos restaurantes participantes de Goiânia no Brasil Sabor, a coisa é bem sortida. Tem para todos os gostos e bolsos. Sabemos que não há nada de extraordinário por aqui, as touças de capim seco ainda se esvaem ao vento nas ruas secas e empoeiradas de Goiânia, ao som da trilha sonora de “Uma pistola para D’Jango” – ou seja, não espere novidades. Até cadeia de fast-food está na brincadeira. Ah, a “nova gastronomia”...
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Falando em novidades, uma das tendências mais destacadas no mundo das panelas de Iracema é muito apreciada e antiga por aqui no sertão: a confort food. Tem gente pagando caro, muito caro, para comer vagem com carne moída. Tem gente que não se avexa em retirar onças da carteira para saborear lombo de porco frito com manjericão. O lance é fazer a “cozinha da memória”. Pesquise na rede o que se servia no D.O.M. de Alex Atala, um dos melhores restaurantes do mundo, em São Paulo. É moda. Por aqui, eu conheço lugares onde a comida ainda é servida por um valor justo, e conseguem me fazer gastar mais de uma hora à mesa. Comida que faz lembrar a casa da vó. Falei sobre essas sensações em outro texto.
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As bandas goianas de rock, nas mais variadas tendências, tem apresentado uma modorra soteropolitana para se inovar. De clássicos estamos bem servidos. Músicos com qualidade dentro de suas propostas, trabalhos com qualidade dentro daquilo que querem passar. Mas eu não consigo mais me empolgar. O problema sou eu: fico encafifado com a continuidade. Entenda bem, paciente leitor: é comigo. Vejo como algo temeroso a onda já antiga de “voltas” de bandas velhas. Não há nada de novo no front, com o perdão da expressão rota. Algumas poucas bandas conseguem “confortar”, e me fazer lembrar de coisas legais: confort music? Não, deixemos o estrangeirismo para lugares mais ousados. Não vejo a hora, por exemplo, dessa moda de velocidade dentro do hardcore passar. Não aguento mais o enorme tédio de verificar o quão rápido é o baterista desta ou daquela banda. Vejo que se perdeu, e muito, referenciais importantes de estrutura musical, ultimamente. Há trabalhos que beiram o total non-sense: barulho por barulho, e só. Liricamente, não é diferente: discursos prontos, letras produzidas em série fordista. De cada cinco bandas das novas safras, sete querem ser ultrarrápidas. Muito grind, pouco hardcore punk. Haja paciência.
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Por enquanto, fico aqui calculando minhas possibilidades de desfilar minha “medianidade” para os herdeiros dos coronéis nos bons restaurantes da cidade. Assim, Pete Seeger vai me consolando com seu folk meio country, meio gospel. Redescobrindo o fantástico “God Bless the Grass” de 1966, a gente sente que Bob Dylan é somente a ponta de uma montanha de coisas boas feitas em tempos inspiradores, como o veteraníssimo Seeger. Desculpe-me o saudosismo por algo que não vivi, mas não se deixar levar pela sensibilidade das canções de Seeger só é possível para aqueles que não apreciam música como arte, somente como entretenimento. Ou para fãs de Malu Magalhães.
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De epílogo, um desabafo: você exercita seu classemedianismo bebericando vinhos safados, de bom “custo-benefício”? Comprei, neste fim de semana, o sul-africano Obikwa Pinotage, safra 2010. Empolgação de momento, planejando uma festinha a dois, só sorrisos. Peguei a garrafa sem pestanejar – já havia tomado uma garrafa na companhia de amigos, e lembrava-me de ter sido legal entornar aqueles 750 mililitros. Festinha rolando, voltei à geladeira para prepará-lo. Eis que me deparo com uma tampa de rosca. UMA PORRA DE TAMPA DE ROSCA? Sim. Como, meu São Baco, eu não percebi? Como aquilo havia parado ali? Por que eu não inspecionei a garrafa antes de comprá-la? Quem gosta de beber vinho sabe o tamanho da minha frustração. A rolha sintética de um ano dantes já era ruim. O chileno Rio Alto Carmenére salvou a noite. Ainda, em tempo: furando o regime por conta do meu tratamento, estou menos estressado e mal humorado.
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Serviço: La Romana Pizzaria. Av. Brasília, São Judas Tadeu, Goiânia. (62) 3205-4000. Sugerimos que comam "in loco" para potencializar a experiência.

2 comentários:

Júlio . disse...

tenho dito: lopes tá ficando ranzinza.

' disse...

O que o André disse no texto só acrescenta na opinião de caras como eu, que curtem um progressivo, alternativo etc.