27 de julho de 2011
Vale a pena ler
11 de julho de 2011
FÉRIAS
29 de junho de 2011
A Xepa da memória
27 de junho de 2011
O último Birita: melhor foi ir de estômago cheio.
24 de junho de 2011
Lendo o rock nas origens
Há a responsabilidade de não doutrinar, óbvio. Não é esse o fim último da educação omnizante da qual sou adepto (ver o magistral artigo publicado pelo professor e camarada Nildo Viana, na Revista Estudos, da PUC-GO, v.31, nº 3, março de 2004, intitulado “Marx e a educação”). Minha finalidade é tornar o objeto de estudo mais próximo da bagagem acumulada pelo alunato. Nesse sentido, há um mar de publicações que são interessantes e recomendáveis, do ponto de vista historiográfico e didático. O mercado editorial brasileiro tem feito um esforço sobre-humano para colocar este povo bronzeado e gingante, público cativo das tolices do oráculo Bonner, em frente aos livros. Há inclusive fenômenos de vendas nacionais no campo da historiografia. Autores como Eduardo Bueno vendem bem entre o público jovem.
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Já utilizei passagens desta obra para algumas aulas sobre “revolução cultural” dos anos 60. A abordagem sobre a consolidação da indústria cultural de massa fica bem mais interessante, se exemplificada com seu maior expoente na música. De fácil assimilação, ao mesmo tempo em que evita a apresentação rasa dos fatos, o livro apresenta os Beatles também na forma de mega-empresa voltada ao entretenimento. Supimpa.
22 de junho de 2011
Tédio - II parte
E o que fazer com ¾ de uma garrafa de pinotage sul-africano que foi comprada para ser a estrela da noite, mas deu vexame? Olha, se o vinho não é bom, mas também não é uma droga – digamos apenas medíocre – compensa guardar para temperar carne. Eu particularmente gosto. Quem vem com frequência aqui (risos de sitcom americana ao fundo, por favor) leu sobre uma carne ao forno com molho de vinho que ficou muito boa.
Tínhamos em casa um belo frango de quintal de roça, da chácara da minha avó. Nasceu de galinha da mesma procedência, vira-lata de terreiro. Há um pouco de sangue índio na linhagem deste galinheiro, mas fica longe de ser algo puro. Frangos que crescem alimentados com milho “orgânico” (tentei evitar o uso desta expressão dos chatos politicamente corretos, mas não deu), plantado na chácara sem nenhum aditivo químico, além é claro daquilo que eles acham no quintal para comer: insetos, pequenos frutos etc. Em suma, coisa boa. Carne escura e mais firme do que as bombas de hormônio ensacadas vendidas nos mercados, que alguns têm a petulância de chamar de frango. Jantar caseiro de meio de semana, terapia na cozinha, final de semestre no trabalho, a um passo das férias. Não há depressão que resista.
Minha dieta tem me exigido um bocado. Perdi 3 quilos em um mês. A semana é marcada por coisas leves, integrais, de baixa caloria por conta da leve alta da taxa de colesterol, sem gordura, em horários mais ou menos constantes, com medicação e um pouco de exercício físico. Me mato nos dias de “feira”, para que meu sabá e meu dia do senhor tenham um pouco mais de sabor. Maldita úlcera.
Aliás, há sabor no mundo da comida saudável. Estou novamente explorando este universo macrobiótico ético e chato. Fui vegetariano, por ideais de juventude, por 11 anos. Meu café da manhã já não conta com aquele que dá seu nome à refeição. Vez ou outra, contrariando a recomendação médica, sujo os dentes com 3 mililitros de café, e só. No lugar do néctar negro, tomo bebida láctea, com muitas fibras – há uma no mercado que é menos sem graça que as demais, combinando quinoa, ameixa e linhaça. Ou chá que não irrite a mucosa do estômago vazio: camomila, hortelã, verde. O de mate, que eu adoro, não pode. Acompanhado de biscoitos integrais, pois massa branca foi-me proibida. Estou me sentindo um hippie.
A onda de “orgânicos” é antiga, e você deve tomar cuidado com ela. Há muitas porcarias vendidas em hipermercados com essa etiqueta. Geralmente bem mais caros, nem sempre o produtor se preocupa com controle de assepsia na sua linha de produção. Esteja atento a este ponto. Tudo de orgânico que consumimos aqui em casa não passa por hipermercados, vem diretamente da produtora, minha doce vovozinha: folhas, frutas, legumes e carnes. Outros sabores, outra qualidade, mais felicidade à mesa.
O frango de quintal tem a carne mais firme, consistente, aguenta mais na panela, e pode ser temperado com generosidade, pois tem mais sabor. Depois de limpo e picado (parte difícil para iniciantes como eu) leva massa de sal e alho e vai marinar em um pouco de vinho, cebola, louro e azeite. Um hora e meia, mais ou menos: a fome te lembra que o frango tem que ir para a panela. Se você tiver aquelas panelas de roça em casa, abra um sorriso e ponha-a para esquentar com azeite. Não há necessidade de extra virgem, pode ser o comum mesmo.
Frite o frango com os trejeitos de sua avó, pois pode ser este o segredo daquela comida emotiva e estupenda. Dourou um pouco, firmou a carne, é hora de uma folhinha de louro, cebolinhas pequenas cruas (não as de conserva) inteiras e cebola a gosto picada. Refogue a rapaziada toda ali dentro, lembrando que é terapia e você mandou seu relógio ir se foder.
Eu preciso urgentemente me convencer de que o rock destas paragens não se tornou enfadonho. Dentre os muitos discos que eu possuo de bandas com o sotaque carregado puxando o erre, exalando o futum do pequi, escolhi um que me lembro ter ganho de Noodles Morak ao comprar uma camiseta na loja da Monstro: Goiânia Rock City volume 2. Devo estar em pleno inferno astral: não houve sequer uma música das 15 que me esculpisse um sorriso na cara teutônica. A coletânea organizada pela Monstro Discos peca ora pelo cast escalado, que na opinião sem vergonha deste que a emite é metade muito chato, ora pelo repertório, que não privilegiou as melhores músicas das poucas bandas que salvam na bolachinha. No frigir dos ovos, o disco é mediano. E que venham as críticas fundamentadas rebaterem minha saraivada de achismos. Seria interessante e divertido.
E lá na sua panela cheirosa, adicione uma dose (a receita que tenho diz ¼ de xícara) de conhaque, entremeie a mistura e após alguns segundos, incendeie a panela. Eu comprei a dose de que precisava no boteco da esquina, pois não tinha conhaque em casa. Fica a dica. A chama dura mais ou menos uns 30 segundos. Se passar de um minuto, tampe para cortar a combustão. Panela tampada, deixe encaminhar tudo por uns dez minutos, atento ao aroma, para não deixar secar o molho.
Eu geralmente sou avesso a molhos onde entra a farinha branca, mas neste dia resolvi seguir a receita e não improvisar. Não estava inspirado, estava ouvindo um disco apenas mediano, com altos e baixos e em um clássico Coq au Vin não se mexe. Dissolvi três colheres de farinha em um copo de caldo de frango previamente preparado, light ou 0% gordura de preferência. Se você tiver este caldo de um cozido antigo guardado no freezer, você é alguém privilegiado. Cubos de caldo costumam ser insossos. Este expediente todo é para que se tenha um molho com mais textura.
Eu nunca compartilhei da máxima “se achou ruim, faça melhor”. Não vou filosofar para justificar-me, fica assim mesmo, ao léu. Sei reconhecer que a metade das bandas que detesto deste disco que ouço tem uma qualidade que eu não saberia nem de longe reproduzir. Não sou nem semi-músico, minha escola estética é o punk hardcore. A questão toda aqui, leitor amigo, é gosto pessoal. Gosto do Motherfish, do Johnny Suxxx, HC-137, Señores e Ressonância Mórfica. Das outras, sei que elas não precisam dos meus ouvidos. Diego de Moraes então, definitivamente não precisa sequer saber que eu existo, eu sei que ele vive muito bem sem minha presença de espírito. Idem o cover de Coldplay. Ops! Não é cover? Hum...
E o vilão da terra da vuvuzela e jabulani entra em cena novamente: duas xícaras do pinotage sul-africano que já foi melhor um dia. Acrescente o vinho e o caldo de frango com farinha juntos, um em seguida do outro. A receita resolveu tripudiar da minha situação financeira: “Você, integrante intrépido da classe média tupiniquim, deve agora acrescentar duas xícaras de um bom Borgonha”. Se eu tivesse um bom Borgonha em casa, dona receita, para temperar carne, eu não estaria fazendo continha para ver se posso ir a um bom restaurante no festival Brasil Sabor, como disse no texto passado, cáspita!
Depois do andamento pós-vinho, coloque lá na panela também quatro dentes de alho picados em lascas grandes e uma boa colher de massa de tomate, aquela melhor, grossa. Observe o molho. Se não tiver coberto o franguinho, complete com caldo de frango ou vinho. Eu pus mais um pouquinho do pinotage. Aliás a receita diz que na minha situação de metido à besta, qualquer outro vinho a base de pinot noir serve. Ufa...
A coisa já tá com cara de fim de semana, em plena segundona: que panela bonita! Jogue agora um punhado de cogumelos frescos tipo shiitake (em empórios é fácil encontrar), deixe dar o ponto e tchã, nã nã nã! Um delicioso frango ao vinho te espera para o deleite dos sentidos. Mais uma vez, a receita me olha de cima para baixo, e soberba diz: “O vinho ideal para acompanhar este prato é o Borgonha que entrou na composição do mesmo”. Tá.
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Tédio é a porta de entrada para estágios mais indignos do ser. Devo combatê-lo, disse-me a doutora de birutas, em maio passado. Cozinhar é uma terapia poderosa.
Estou aguardando ansioso a escalação para o Goiânia Noise Festival deste ano. Sempre, desde o primeiro ano do festival, a Monstro trouxe pelo menos uma banda que eu queria muito ver. No texto passado te contei sobre o Dance of Days, há uns anos atrás por aqui. Os rumores que ouço para este ano são muito animadores. Mas como são conversas de alcova, e como ainda vou papear com um Monstruoso antes do evento, deixo este assunto no banho-maria.
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20 de junho de 2011
Tédio
Você também sente um marasmo imenso na produção musical deste cerrado vermelho? Parece que Háthor inspiradora anda meio avessa às guitarras distorcidas e povo pagão. Os produtores de eventos, nas mais variadas vertentes, se esforçam: lugares novos, aparelhagens de som melhores, estruturas maiores, divulgação dirigida, novas embalagens e... insosso. Ninguém aqui do meio oeste caiapó tem me persuadido a sair dos meus aconchegantes 58 m² sem varanda. Mas é claro, esta é uma impressão pessoal. Talvez para você, estejamos em meio a uma nova revolução. Vai saber, né? E se você pensou que eu teria a empáfia de não me incluir nesta, já que participo de algumas bandas goianienses, rodou meu chapa. Tá eu ali no meio também. A impressão que eu tenho é ter me esperando na cena rock aquela “belíssima lasanha bolonhesa de domingo, com aquela massa comprada no 'empório' que custa os rins, excelente carne moída sem gordura, presunto e queijos bons, requentada no almoço de quarta”. Não sou bom com as metáforas, mas é isso.
Em casa, venho acompanhando o festival Brasil Sabor, de gastronomia brasileira. Em sua 6ª edição, o barato é ver aquele restaurante que você gosta, mas tem medo da conta e só foi uma ou duas vezes, praticar preços mais convidativos a esta parcela deselegante da classe média verde-amarela. Não somos o lumpem trôpego, nem somos os eleitos de Mamon. Como é difícil esta posição no sistema. Bacana pensarem que podem ampliar as vendas, chamando a audiência da Sky promocional de R$ 69,90 para estacionarem seus populares financiados na porta e fungarem vinhos ordinários nas “taças” iguaizinhas às do Olivier Anquier, procurando traços de terra mediterrânea e castanhas torradas com tabaco cubano. Chique, né? Nesta semana, terei meu momento “inclusão social”. Vou comer em um lugar onde estive uma vez, mas que serviu algo realmente bom, e por isso merece minha saudade. Não pelo fato de ser um restaurante “chique”. Sinceramente, isso pouco importa para mim. Após gastar muito Labra preto nº 2 e borracha Mercur azul-vermelha que apaga caneta, descobrimos que há uma brecha no orçamento doméstico para tanto. Só não rola quinta-feira: tem House no Universal Channel. Depois te conto sobre esta estripulia operária.
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Serviço: La Romana Pizzaria. Av. Brasília, São Judas Tadeu, Goiânia. (62) 3205-4000. Sugerimos que comam "in loco" para potencializar a experiência.
12 de junho de 2011
Emo-crying-core não era crime de consciência na ditadura hardcoreana
30 de maio de 2011
Leaf Hound e Dionísio cervejeiro: a volta em uma despedida.
Estou de volta. Passei por um longo e intenso processo de desintoxicação. Não foi como o de Fábio Assunção ou Vera Fischer, mas me ajudou bastante a determinar novas prioridades.
Dei um tempo em comunidades interneteiras, e passei a valorizar um pouco mais o contato real. Eu precisava disso agora, não sei se você precisa. Comigo funcionou, de repente não é bom pra você. Dei um tempo nas minhas bandas, evitando ensaios constantes, pra ver a coisa de longe e melhor posicionado. Passei um susto nos meninos de uma delas, o Tirei Zero, que acreditaram piamente que eu estaria bundando do projeto. Na verdade, como me fez bem esse momento “rehab”! E também parei de escrever o blog por um período muito longo, meses a fio. E nesse ínterim, não deixei de pensar se deveria retomar. Posso dizer que ponderei cada pedido recebido para isso, e é bacana dizer que não foram poucos. Eis-me aqui, de frente a página diminuta do Word Starter, com o cursor nervoso a piscar, como se pedisse velocidade naquilo que coloco teclado adentro. Estou de volta ao Rango Rock, até enjoar de tudo novamente. Na lista das coisas que eu gosto de fazer, este espaço se ocupa de duas delas: rock e comida. Não poderia mesmo ficar muito tempo longe.
E nessas folhas a menos do calendário 2010/2011, aconteceu algo previsível e já aguardado, com este que gasta a ponta dos dedos aqui no QG do blog: apareceu uma úlcera no meu esôfago, além de uma hérnia de hiato (releia o texto de estreia do blog, aqui.). Gastrite e refluxo são dois problemas sérios, e eu tripudiei deles por uma década. Isso mesmo: dez anos convivendo com estes problemas por conta de hábitos alimentares desastrosos – gordura, açúcar, cafeína e álcool em tempos diários nunca regulares. Medidas paliativas à base de omeprazol e ranitidina só adiaram o epílogo desta tragicomédia. E hoje, sou um apaixonado pela baixíssima gastronomia sem o principal instrumento de trabalho, pré-requisito básico para desventuras nestas paragens: um bom e resistente estômago. E ainda não cheguei propriamente ao terceiro círculo do inferno dantesco: estou em uma dieta rigorosa, sob medicação que só surte efeito caso eu me renda. Castigo merecido, aceitação resignada. O Limbo me aguarda, redentor após os três meses de penitência nos porões de Dite.
Mas indo ao ponto que move este blog: das milhares de coisas que ouvi nestes dias, aquela que fisgou a predileção do meu player foi gravada há 40 anos. É certo que conheci um caminhão de bandas nestes últimos dias sem escrever aqui, mas nenhuma me chamou mais a atenção do que o Leaf Hound e seu fantástico disco “Growers of Mushroom” de 1971. Timbres que hoje seriam chamados de vintage, onde é possível ouvir os dedos dos músicos passeando pelas cordas, excelentes riffs que evocam muita coisa boa do classic rock setentista, uma pegada stoner fodida, e o vocal de Peter French arrebentando. A banda é britânica, daquela safra de fins dos 60 e início dos 70 – Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple e outros. Vamos deixar comentários óbvios sobre essa geração pra lá, né?
Com muita preguiça de googlear, estas são as informações de que disponho de cabeça. Me parece que lançaram só esse disco, mas vá por mim: se você gosta de The Galo Power e ainda não conhece este trabalho, não brinque mais em serviço. Eu vi um vinil destes caras no Mercado Livre meses atrás, e havia três dígitos antes da vírgula, lá no preço. Se eu fosse rico, compraria.
A área da educação particular, na qual atuo como professor, tem lá seus problemas, é vero. Mas há também pequenos mimos reconfortantes, como feriados emendados, à moda do funcionalismo público. Curtindo dias de modorra em casa, é lei no lar de senhor e senhora “Alemão” cozinhar coisas decentes. Não sou católico e não sei quem é a santa padroeira da capital do meio-oeste onde não há inverno. Mas um feriado pra quebrar o rigor do interminável maio é sempre bom.
Meu fornecedor de carnes bovinas furou comigo feio, e não havia meu corte predileto: a suculenta e saborosa fraldinha, nova (?) sensação grelhas à fora nesse Goiás sem porteira. Então, inovar foi preciso. Nunca havia preparado uma maminha ao forno. Comprei uma “extra”, limpa e sem gordura em excesso ou sebos pendurados. Coisa bonita mesmo, de um quilo e uns choros. Até ao final da noite da segunda-feira 23 de Jorge e Mateus na 66ª exposição agropecuária, ela estaria assada e devidamente aprovada pelos paladares aos quais foi submetida. Cozinhá-la foi parte de uma terapia anti-estresse de casal aqui no minúsculo três quartos de 58 m². Moramos nas imediações da “Pecuária” de Goiânia. Preciso explicar mais alguma coisa?
O primeiro petardo do disco tem um riff grudento, do jeito que deve ser pra esse tipo de proposta vista no Leaf Hound – o som chama-se “Freelance Friend”. Liricamente, muito duplo sentido com expressões jargões da época (“do you feel it, babe?”, ou feels like isso ou aquilo...) povoam toda a obra, e não são o destaque. A música “Work my body” é típica nisso, sendo um flerte forte com o blues, origem musical da banda. A baladinha que vem na segunda faixa também é foda demais: “Sad road to the sea” lembra coisas do Grand Funk Railroad, considerando-se que o vocalista do Leaf Hound é mais técnico, na minha franciscana opinião.
A maminha é uma carne com menos sucos do que a fraldinha. Assada, essa proporção se torna ainda mais desvantajosa para o corte. Pedi uma peça “premium”, e não poderia prever nenhum problema, pois são nacos vizinhos no boi. Há variantes, lógico. Mas a fome era um bom persuasivo. E era minha despedida do mundo, antes de me entupir de remédio e comida (arrrgh!) saudável. Um futuro desolador se avizinhava, era ela ou comer fora. Peça fresca, do açougue, nada embalado a vácuo.
Ouvindo o Leaf Hound a gente entende porque o Black Drawing Chalks foi aclamado. A fórmula está ali, naqueles caras que hoje estão grisalhos e foderam com o mundo. Certo que a banda goiana é mais densa, pesada diriam uns, mas a compilação dos elementos foi muito bem emulada daqueles anos em que o rock se tornou sujo, com poeira da rota 66. Eu sinceramente queria ter uma banda com esse jeitão setentista. Me falta o talento, assumo depois de rápida consulta aos meus garageiros botões (eu amo o texto do Mino Carta, sim...)
A maminha da alcatra vai marinar inteira no suco de uma laranja, um limão, shoyu, uma cebola média picada, alho à rodo, pimenta verde e um vinho seco a seu gosto. Eu usei um bom pinotage. Dica aos iniciantes: aquelas coisas esquisitas que chamam de vinho por aí, que geralmente se conhece por “suave de mesa”, não servem nem pra temperar carne. Acredite, fiel adepto do “Cantina das Trevas”.
Tem um som nesse disco que é o espírito das bandas da época da boca-de-sino: “With a minute to go”. Inspirada. Imagino-a ao vivo, com os agudos firmes e jeito blueseiro do vocalista. Nasci na época errada, me diz a alma ligeiramente deprimida que povoa este corpo empenado.
E você pergunta: o vinho e os sucos cítricos vão se dar bem lá na minha tigelinha? Não tema, infant gourmet da classe C tupiniquim. É só ter bom senso. Derrame uma xícara de vinho, e só. Não queremos que o álcool se pronuncie demais. A menos que você queira temperar carne com aquela garrafa do velho mundo guardada na sua adega climatizada. Aí, o papo é outro. Agora, se seu score é igual ao meu e você dispõe de um "vinhozinho", não seja muquirana. Use aquele restinho da noite passada, afinal, garrafa aberta não conserva mais o vinho.
Antes de ir pra travessa da sua mãe mergulhar no molho escuro, a carne deve passar por uma massagem generosa com massa de alho e sal. A minha é caseira e eu sei a quantidade de sal que ela possui. Fure a carne, treinando seu lado Jack londrino. Só não a estripe (me ocorreu este trocadilho infame enquanto preparava o assado, chiste devidamente reprovado pela Dri. Mas mesmo assim, eu repasso). Pelos furos entrarão os sucos e o sal com alho. Marinou uma hora e alguma bobagem, é hora de passar um azeite supimpa na sua forma de alumínio, aquela de fundo mais fino mesmo. Mande todo o conteúdo cheiroso e escuro sobre a carne bem postada, banhando-a e ajeitando tudo bem bonito. É divertido demais.
Cara, apresentar o disco do Leaf Hound e não mencionar a canção “It’s gonna get better” seria um grande deslize. É aquele som pra cantar em coro abraçado com seu amigo, bêbado em final de festa. Lindo. Aqui em casa, não somos adeptos de música alta, estridente. Deixo esta falta de polidez e senso de coletividade para alguns ostrogodos que dividem o prédio comigo. Mas em raras vezes, excedo um pouco, por empolgação etílica, o volume do velho Phillips. Esse disco merece este lapso de civilidade.
Para incrementar as ondas de energias negativas que serão emanadas em direção ao meu 301 bloco 4, a carne irá para o forno, coberta com papel alumínio na primeira meia hora, esbanjando perfume enquanto cozinha. Rock clássico e cheiro de comida boa: vizinhos, mordei os cotovelos!
Bebi pouco nesta feita, e talvez tenha acontecido algo fenomenal com minhas papilas gustativas nesta noite: surpreenderam-se com a pré-condenada Bavária Premium. Em tempos plúmbeos como estes, onde a inflação manda beijos com gosto de “revival” e come meus ganhos, economizei na cerveja boa. E pra abrir um sorriso na sisuda face de contornos germânicos deste que escreve, a Bavária Premium só precisou gelar direito. Eu fui até o rótulo da garrafinha de 355 mililitros: disseram-me que ela é feita com matéria prima importada, cereais puro malte. Aí eu equacionei tudo: para uma puro malte, falta nascer de novo. Mas pelos irrisórios R$ 1,29 pagos por unidade, foi um dos melhores “custo-benefício” que tive até hoje, tratando-se de cervejas baratas. Ao arriscar e não comprar as mesmices de sempre, tive uma grata surpresa. Nada incomum, apenas acima da média das cervejas medíocres.
Metade da volta do ponteiro maior: é hora de conferir a maminha. Deve estar ainda com uma boa quantidade de molho, mas já assada parcialmente, rosada. Tire o alumínio e acrescente batatas cortadas em cruz na transversal, e cebolas com o mesmo corte. E aí vem o toque de diversão: arrume tudo pra ficar bonito, igual ao que a vovó fazia no domingo de férias. As batatas não devem ser muito grandes, para não ficarem crocantes meia hora mais tarde. E o aroma disso tudo? Dá orgulho, né? A Dri, minha esposa, mandou um arroz branco do jeito que a gente ama: cebola e alho de sobra, mas sem corar. Uns tomatinhos maduros no azeite e pronto. A estrela da noite já tem companhia.
E se você realmente achou que nós passamos a noite toda bebendo Bavária, é porque não me conhece. Economizo nas cervejas de entrada, aquelas que usarei apenas para me distrair enquanto cozinho. Mas na hora da degustação, sacamos a encorpada e deliciosamente amarga Baden Baden Red Ale, tipo Barley-wine, um arroubo de prazer, especialmente para a parcela que não consegue beber cervejas belgas, tchecas ou similares, por limites de caixa. Forte, com seus 9,2% de teor alcóolico por volume, vermelha densa, produz uma espuma cremosa e saborosa. Duas garrafas nos acompanharam na carne. Vale cada centavo, enquanto a Schincariol não a destrói.
Levemente triste por ser a minha despedida gastronômica, provamos e aprovamos. É um prato ácido e forte, e a carne ficou firme, com uma fina camada tostada, e um miolo entre mal passado e ao ponto. Exatamente como prevíamos. Usamos o forno médio pra isso. Casou em núpcias perfeitas com o arroz branquinho. E a Baden Baden mostrou porque é considerada uma das melhores cervejas do Brasil: pra carnes fortes em tempero, eu não conheço nada melhor nas terras de Iracema. Ouvindo o disco do Leaf Hound duas vezes, tivemos uma noite invejável. A obra puxou outras tão sublimes quanto, e eu voltei às minhas velharias pra fechar esta festa. Revisitamos o Sabbath de Ozzy em vários discos, já ligeiramente bêbados pela quantidade dionísica de álcool injetada pela Baden Baden em nossas cabeças. Assim, com a língua grossa e teimando em não executar exatamente o que eu mandava, prometi à Dri: vou reativar o Rango Rock. Assim, emotivo mesmo, disse o ébrio mezzo teutônico mezzo roceiro. Foi importante, por ter sido o primeiro passo concreto para abandonar mais uma forte crise depressiva que incomodava as pessoas que eu amo à minha volta. São pouquíssimas, é verdade, mas mesmo assim elas não merecem um Alemão deprimido. Torno-me realmente insuportável.
Ah! E sobre a despedida gastronômica, aviso ao leitor: sempre tive uma pontinha autodestrutiva. Não estranhe se outros pratos fortes pintarem por aqui.
Leaf Hound em um blog que eu frequentava: baixe e deleite-se.