22 de junho de 2011

Tédio - II parte

Resumo do texto anterior: ando pouco instigado a ver bandas goianas e seus shows manjados, embora tenhamos muita coisa boa por aí. E se você bate ponto na classe C, evite comprar vinhos só porque leu sobre eles em sites duvidosos. Pode se dar mal, como eu.

.
E o que fazer com ¾ de uma garrafa de pinotage sul-africano que foi comprada para ser a estrela da noite, mas deu vexame? Olha, se o vinho não é bom, mas também não é uma droga – digamos apenas medíocre – compensa guardar para temperar carne. Eu particularmente gosto. Quem vem com frequência aqui (risos de sitcom americana ao fundo, por favor) leu sobre uma carne ao forno com molho de vinho que ficou muito boa.

.
Tínhamos em casa um belo frango de quintal de roça, da chácara da minha avó. Nasceu de galinha da mesma procedência, vira-lata de terreiro. Há um pouco de sangue índio na linhagem deste galinheiro, mas fica longe de ser algo puro. Frangos que crescem alimentados com milho “orgânico” (tentei evitar o uso desta expressão dos chatos politicamente corretos, mas não deu), plantado na chácara sem nenhum aditivo químico, além é claro daquilo que eles acham no quintal para comer: insetos, pequenos frutos etc. Em suma, coisa boa. Carne escura e mais firme do que as bombas de hormônio ensacadas vendidas nos mercados, que alguns têm a petulância de chamar de frango. Jantar caseiro de meio de semana, terapia na cozinha, final de semestre no trabalho, a um passo das férias. Não há depressão que resista.

.
Minha dieta tem me exigido um bocado. Perdi 3 quilos em um mês. A semana é marcada por coisas leves, integrais, de baixa caloria por conta da leve alta da taxa de colesterol, sem gordura, em horários mais ou menos constantes, com medicação e um pouco de exercício físico. Me mato nos dias de “feira”, para que meu sabá e meu dia do senhor tenham um pouco mais de sabor. Maldita úlcera.

.
Aliás, há sabor no mundo da comida saudável. Estou novamente explorando este universo macrobiótico ético e chato. Fui vegetariano, por ideais de juventude, por 11 anos. Meu café da manhã já não conta com aquele que dá seu nome à refeição. Vez ou outra, contrariando a recomendação médica, sujo os dentes com 3 mililitros de café, e só. No lugar do néctar negro, tomo bebida láctea, com muitas fibras – há uma no mercado que é menos sem graça que as demais, combinando quinoa, ameixa e linhaça. Ou chá que não irrite a mucosa do estômago vazio: camomila, hortelã, verde. O de mate, que eu adoro, não pode. Acompanhado de biscoitos integrais, pois massa branca foi-me proibida. Estou me sentindo um hippie.

.
A onda de “orgânicos” é antiga, e você deve tomar cuidado com ela. Há muitas porcarias vendidas em hipermercados com essa etiqueta. Geralmente bem mais caros, nem sempre o produtor se preocupa com controle de assepsia na sua linha de produção. Esteja atento a este ponto. Tudo de orgânico que consumimos aqui em casa não passa por hipermercados, vem diretamente da produtora, minha doce vovozinha: folhas, frutas, legumes e carnes. Outros sabores, outra qualidade, mais felicidade à mesa.

.
O frango de quintal tem a carne mais firme, consistente, aguenta mais na panela, e pode ser temperado com generosidade, pois tem mais sabor. Depois de limpo e picado (parte difícil para iniciantes como eu) leva massa de sal e alho e vai marinar em um pouco de vinho, cebola, louro e azeite. Um hora e meia, mais ou menos: a fome te lembra que o frango tem que ir para a panela. Se você tiver aquelas panelas de roça em casa, abra um sorriso e ponha-a para esquentar com azeite. Não há necessidade de extra virgem, pode ser o comum mesmo.

.
Frite o frango com os trejeitos de sua avó, pois pode ser este o segredo daquela comida emotiva e estupenda. Dourou um pouco, firmou a carne, é hora de uma folhinha de louro, cebolinhas pequenas cruas (não as de conserva) inteiras e cebola a gosto picada. Refogue a rapaziada toda ali dentro, lembrando que é terapia e você mandou seu relógio ir se foder.

.
Eu preciso urgentemente me convencer de que o rock destas paragens não se tornou enfadonho. Dentre os muitos discos que eu possuo de bandas com o sotaque carregado puxando o erre, exalando o futum do pequi, escolhi um que me lembro ter ganho de Noodles Morak ao comprar uma camiseta na loja da Monstro: Goiânia Rock City volume 2. Devo estar em pleno inferno astral: não houve sequer uma música das 15 que me esculpisse um sorriso na cara teutônica. A coletânea organizada pela Monstro Discos peca ora pelo cast escalado, que na opinião sem vergonha deste que a emite é metade muito chato, ora pelo repertório, que não privilegiou as melhores músicas das poucas bandas que salvam na bolachinha. No frigir dos ovos, o disco é mediano. E que venham as críticas fundamentadas rebaterem minha saraivada de achismos. Seria interessante e divertido.

.
E lá na sua panela cheirosa, adicione uma dose (a receita que tenho diz ¼ de xícara) de conhaque, entremeie a mistura e após alguns segundos, incendeie a panela. Eu comprei a dose de que precisava no boteco da esquina, pois não tinha conhaque em casa. Fica a dica. A chama dura mais ou menos uns 30 segundos. Se passar de um minuto, tampe para cortar a combustão. Panela tampada, deixe encaminhar tudo por uns dez minutos, atento ao aroma, para não deixar secar o molho.

.
Eu geralmente sou avesso a molhos onde entra a farinha branca, mas neste dia resolvi seguir a receita e não improvisar. Não estava inspirado, estava ouvindo um disco apenas mediano, com altos e baixos e em um clássico Coq au Vin não se mexe. Dissolvi três colheres de farinha em um copo de caldo de frango previamente preparado, light ou 0% gordura de preferência. Se você tiver este caldo de um cozido antigo guardado no freezer, você é alguém privilegiado. Cubos de caldo costumam ser insossos. Este expediente todo é para que se tenha um molho com mais textura.

.
Eu nunca compartilhei da máxima “se achou ruim, faça melhor”. Não vou filosofar para justificar-me, fica assim mesmo, ao léu. Sei reconhecer que a metade das bandas que detesto deste disco que ouço tem uma qualidade que eu não saberia nem de longe reproduzir. Não sou nem semi-músico, minha escola estética é o punk hardcore. A questão toda aqui, leitor amigo, é gosto pessoal. Gosto do Motherfish, do Johnny Suxxx, HC-137, Señores e Ressonância Mórfica. Das outras, sei que elas não precisam dos meus ouvidos. Diego de Moraes então, definitivamente não precisa sequer saber que eu existo, eu sei que ele vive muito bem sem minha presença de espírito. Idem o cover de Coldplay. Ops! Não é cover? Hum...

.
E o vilão da terra da vuvuzela e jabulani entra em cena novamente: duas xícaras do pinotage sul-africano que já foi melhor um dia. Acrescente o vinho e o caldo de frango com farinha juntos, um em seguida do outro. A receita resolveu tripudiar da minha situação financeira: “Você, integrante intrépido da classe média tupiniquim, deve agora acrescentar duas xícaras de um bom Borgonha”. Se eu tivesse um bom Borgonha em casa, dona receita, para temperar carne, eu não estaria fazendo continha para ver se posso ir a um bom restaurante no festival Brasil Sabor, como disse no texto passado, cáspita!

.
Depois do andamento pós-vinho, coloque lá na panela também quatro dentes de alho picados em lascas grandes e uma boa colher de massa de tomate, aquela melhor, grossa. Observe o molho. Se não tiver coberto o franguinho, complete com caldo de frango ou vinho. Eu pus mais um pouquinho do pinotage. Aliás a receita diz que na minha situação de metido à besta, qualquer outro vinho a base de pinot noir serve. Ufa...

.
A coisa já tá com cara de fim de semana, em plena segundona: que panela bonita! Jogue agora um punhado de cogumelos frescos tipo shiitake (em empórios é fácil encontrar), deixe dar o ponto e tchã, nã nã nã! Um delicioso frango ao vinho te espera para o deleite dos sentidos. Mais uma vez, a receita me olha de cima para baixo, e soberba diz: “O vinho ideal para acompanhar este prato é o Borgonha que entrou na composição do mesmo”. Tá.
.

Meu Coq ao Vin padrão C, com vinho médio, cogumelos tipo C e azeite de hipermercado ficou espetacular, para meu paladar. Imagino se haveria mudanças estruturais adicionando os ingredientes que me faltaram. Sonhar ainda é de graça, um dia eu descubro.

.
Tédio é a porta de entrada para estágios mais indignos do ser. Devo combatê-lo, disse-me a doutora de birutas, em maio passado. Cozinhar é uma terapia poderosa.

.
Estou aguardando ansioso a escalação para o Goiânia Noise Festival deste ano. Sempre, desde o primeiro ano do festival, a Monstro trouxe pelo menos uma banda que eu queria muito ver. No texto passado te contei sobre o Dance of Days, há uns anos atrás por aqui. Os rumores que ouço para este ano são muito animadores. Mas como são conversas de alcova, e como ainda vou papear com um Monstruoso antes do evento, deixo este assunto no banho-maria.
.

Sei que o CD que pus na bandeja do meu velho e cansado Phillips não me inspirou. Continuo chateado. Fazendo jus à fama de ranzinza. Desliguei o som na hora de comer. House repetido, 6ª temporada, muito mais interessante.

.

Serviço: frango médio de quintal, orgânico a R$ 15. Chácara Carneirinho, Brazabrantes (estrada Deuslândia-Nerópolis). Não há telefone, nem site. Ou seja, é o paraíso!

2 comentários:

Bruno Mendonça disse...

Cara, acabei de ler e to com água na boca. Po, pq você não me chama pra degustar um rango desse que você faz, só chama pra ir pra churrascaria, onde não existe alimentos organicos, que pelo jeito o senhor está bastante adepto! haha

Bruno Mendonça disse...

E eu não faço idéia pq o meu comentário anterior ficou com nome de Pedro. hahaha